Título: Hamas entre a linha-dura e o pragmatismo
Autor:
Fonte: O Globo, 28/01/2006, O Mundo, p. 32

Correntes de Mahmoud Zahar e Ismail Haniyeh disputam poder na Autoridade Palestina liderada pelo grupo islâmico

CIDADE DE GAZA. Enquanto o mundo ainda parece assombrado com a vitória do grupo radical islâmico Hamas nas eleições palestinas, sem saber qual será a atitude de uma Autoridade Nacional Palestina (ANP) liderada por uma organização terrorista, um olhar sobre o comando do movimento pode dar pistas para o futuro da região. Entre as figuras mais poderosas do Hamas, e possíveis ocupantes do cargo de premier da ANP, estão o linha-dura Mahmoud Zahar e o pragmático Ismail Haniyeh. A escolha de um ou outro, ou de pessoas ligadas a eles, daria uma pista sobre qual é o rumo da ANP comandada pelo grupo mais conhecido pelos seus homens-bomba.

Alguns analistas afirmam que o pior cenário seria a ANP ser controlada pelo grupo liderado por Zahar. Dois dias antes da eleição, em entrevista ao jornal americano ¿Newsday¿, ele deixou claro que o grupo, uma vez eleito, continuaria a não aceitar a existência de Israel.

¿Veremos, se Deus quiser, o desaparecimento de Israel¿, disse Zahar, acrescentando que ¿Israel desaparecerá do modo como desapareceram os cruzados e vários impérios, incluindo o britânico e o francês. Os franceses ocuparam a Argélia por 132 anos. Mas foram expulsos.¿

Médico cirurgião, Zahar nasceu na Cidade de Gaza em 1945. Ele passou grande parte da juventude no Cairo, onde estudou e travou contato com a Irmandade Muçulmana, grupo islâmico de oposição ao governo laico do Egito.

Em 1987, participou da fundação do Hamas, sendo próximo do líder espiritual da organização, o xeque Ahmed Yassin. Em 1992, Zahar, que estava preso, foi deportado, junto com Yassin e líderes como Abdel Rantissi e Haniyeh, para o sul do Líbano.

Ao voltar para a Faixa de Gaza, um ano depois, o grupo cortou relações com a OLP, com quem entrou em choque. Zahar chegou a ser detido várias vezes por autoridades palestinas, tendo ficado preso por sete meses seguidos.

O governo de Israel fez duas tentativas de matar Zahar. Numa delas, em setembro de 2003, sua casa foi destruída por mísseis lançados por caças israelenses. Zahar sobreviveu, mas seu filho Zaher, de 25 anos, foi morto.

Com os assassinatos seletivos do xeque Yassin e de seu substituto, Rantissi, em março e abril de 2004, o Hamas decidiu não anunciar publicamente seu novo líder. Mas informações amplamente conhecidas pelos palestinos e as agências de espionagem afirmam que foi escolhido um grupo de três pessoas, sendo que o chefe seria Zahar. No entanto, na lista nacional eleitoral do Hamas, ele figurava apenas como o número nove.

Zahar não esconde seu ódio a Israel, principalmente do premier Ariel Sharon, que está em coma. ¿Eles me atacaram com um F-16. As costas da minha mulher estão ruins até hoje, e ela está em tratamento num hospital. Mas ainda assim tenho meus pés firmes no solo palestino e minha cabeça está no alto. Sharon está deitado com a cabeça no mesmo nível de seus pés.¿

Outro integrante do trio que lidera o Hamas nos territórios ocupados é Ismail Haniyeh, que foi o primeiro nome na lista eleitoral do grupo. Pragmático ¿ já que o termo moderado não pode ser aplicado a integrantes deste grupo ultra-radical ¿, uma ANP sob sua liderança poderia indicar uma maior negociação com Israel e outros países.

Com 43 anos, Haniyeh foi um dos mais jovens fundadores do Hamas, em 1987. Ele nasceu no campo de refugiados de Shati, perto da Cidade de Gaza, depois que seu pais fugiram do local onde hoje está a cidade israelense de Ashkelon durante a Guerra de Independência de 1948.

Haniyeh foi assistente pessoal do xeque Yassin

Haniyeh estudou literatura árabe na Universidade Islâmica de Gaza, onde se envolveu com movimentos radicais religiosos. Ele se formou no ano em que o Hamas foi criado e foi preso por Israel três vezes por badernas nas ruas. Foi libertado junto com a leva de deportados para o Líbano de 1992.

Em 1997, já em Gaza novamente, ele se tornou o assistente pessoal do xeque Yassin, o que lhe deu grande poder dentro do grupo. Sempre próximo do líder espiritual do grupo, ele chegou a ficar ferido num ataque de Israel a Yassin em 2003.

Considerado pragmático, Haniyeh aceitaria negociar com Israel. Ele também foi o primeiro dirigente do Hamas a telefonar para o presidente da ANP e do Fatah, Mahmoud Abbas, e propor uma aliança política, depois de divulgados os resultados.

www.oglobo.com.br/mundo