Título: Alerta vermelho
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 29/01/2006, Economia, p. 29

Renovação política na América Latina ameaça investimentos de empresas brasileiras

APetrobras tem mais de US$7 bilhões aplicados na América Latina, dos quais perto de US$1 bilhão na Bolívia. Mas o investimento naquele país está congelado, à espera dos primeiros atos do recém-empossado presidente Evo Morales, o líder dos cocaleiros que ameaça nacionalizar o setor de petróleo boliviano, acendendo o debate sobre os riscos e as oportunidades representados pelo intenso processo de renovação política da região. Este ano, mais de dez países têm eleições que, pela primeira vez na História, podem levar ao poder uma maioria de esquerda na região.

¿ Estamos na expectativa de que as novas autoridades permitam a continuação de nossos negócios no país ¿ afirma Décio Oddone, ex-presidente da Petrobras Bolívia e atual responsável pela Gerência Internacional Cone Sul.

De acordo com o Banco Central, o estoque de investimento direto brasileiro nos principais países da América Latina era de US$4,7 bilhões em 2004, com queda de 13% sobre 2003. Entretanto, só a Petrobras tinha US$7,4 bilhões em ativos na América Latina em dezembro de 2004. Provavelmente, explicou o diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas, Carlos Langoni, a diferença se deve ao fato de alguns ativos serem adquiridos por meio de subsidiárias criadas no exterior.

¿ Há um fenômeno muito intenso de compra de ativos na região. Por isso, as empresas vão conviver cada vez mais com o risco político ¿ acrescenta Langoni.

Projetos são de longo prazo

Com a maior parte do seu faturamento obtida no exterior, a Construtora Odebrecht diz que o importante é olhar todas as variáveis, como a história, a política e a antropologia do país.

¿ Quando uma grande empresa decide ir para fora, tem que ter a perspectiva do Estado em que está se inserindo e não só do governo, que às vezes dura menos do que a implantação de um grande projeto ¿ diz o diretor de relações institucionais da Odebrecht, Roberto Dias.

O faturamento da Odebrecht foi de US$2,2 bilhões em 2004, dos quais US$1,7 bilhão no exterior ¿ deste total, 65% na América Latina. São projetos de todos os tipos, na área de infra-estrutura, como o do Rio Madeira, que prevê a construção de hidrelétricas no Brasil e na Bolívia.

¿ Não vamos para fora do país fazer uma obra, mas sim com a perspectiva de 50 anos ¿ afirma.

Oddone, da Petrobras, lembra que os contratos de exploração de petróleo na Bolívia são de 40 anos e os de gás, de 20 anos:

¿ A Petrobras foi a primeira a descobrir gás na Bolívia, em 1990. Isso abriu possibilidades de crescimento que aquele país não tinha.

Ainda não está claro se a Bolívia vai nacionalizar o setor de petróleo ou como isso será feito. Mas Oddone acredita numa solução negociada:

¿ O presidente Evo Morales quer sócios e deve negociar parcerias com as empresas estrangeiras. Para a Petrobras, isso nunca foi problema. Quando começou lá, foi em associação com a estatal YPFB, que está sendo refundada agora.

A turbulência política na Bolívia não mexeu com o valor de mercado da Petrobras, que recentemente alcançou o recorde de R$200 bilhões na Bolsa de São Paulo; nem com as ações, que bateram US$90 este mês na Bolsa de Nova York. Em janeiro de 2004, custavam US$39. Houve, sim, aumento de custos e perda de rentabilidade devido aos significativos aumentos de impostos.

Aparentemente, a eleição de Evo Morales e o intenso calendário político deste ano não chegam a assustar o mercado financeiro. O banco HSBC divulgou relatório nos Estados Unidos avaliando que o ano vai trazer muito barulho político e algumas quedas nos mercados. Mas que o resultado final será a consolidação da democracia na região.

¿ A América Latina está vivendo uma experiência de alternância de poder que não significa, necessariamente, instabilidade. A dita esquerdização é muito mais uma etiqueta eleitoral e partidária do que um retorno aos anos 60 ¿ diz o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-subsecretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty José Botafogo Gonçalves.

O professor de economia internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Reinaldo Gonçalves, também vê muito barulho e pouca mudança:

¿ Ir para o poder pode significar mudar o grupo dirigente e garantir o continuísmo. Evo Morales pode ser mais um Lula ¿ opina Gonçalves.

O polêmico Hugo Chávez, reeleito presidente da Venezuela em 1999, teve o seu poder reforçado nas eleições parlamentares de dezembro do ano passado. Ex-líder golpista, em 1992 ele quase interrompeu três décadas e meia de normalidade democrática na Venezuela com uma tentativa de tirar o presidente Carlos Andrés Pérez do cargo.

¿ Hoje não há polarização. Nenhum país está de costas para o mundo. O próprio Chávez nunca se fechou aos Estados Unidos nem deixou de pagar as dívidas do país ¿ comenta o diretor da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), Renato Baumann.

Mas os exemplos da esquerda se multiplicam. Em maio de 2003, na Argentina, Néstor Kirchner assumiu prometendo fundar um novo modelo de país, ¿no qual o governo não pagará a dívida externa às custas do empobrecimento da população¿. Mas, como o Brasil, está quitando as contas com o FMI.

No fim de 2005, a candidata da Concertación ¿ coalizão de centro-esquerda que governa o Chile desde 1990 ¿ Michelle Bachelet assumiu o Palácio de La Moneda. Apesar de sua origem socialista, não há previsão de mudanças substanciais na condução da política econômica, diz o sociólogo Paulo Roberto Almeida.

AS PERSPECTIVAS DAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES, na página 30