Título: CORPO DE BRASILEIRO É ENVIADO AOS EUA
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 31/01/2006, O Mundo, p. 25

Mãe de militar morto no Iraque diz que enterro será na Carolina do Norte, mas local depende de desejo expresso por escrito

NOVA YORK. ¿Pelo menos o corpo do meu filho não foi explodido por uma bomba. Vai chegar inteiro, no uniforme dele.¿ É assim que Iraci Barbosa, a mãe de Felipe Carvalho Barbosa, tenta se consolar diante da morte do filho, o brasileiro que foi lutar no Iraque e morreu quinta-feira, quando capotou o carro em que ele viajava perto de Faluja. O corpo de Felipe já foi enviado de Bagdá para a base militar de Belair, nos Estados Unidos, e quinta-feira chega à High Point, na Carolina do Norte, onde ele morava e será enterrado. A data do enterro ainda não está marcada porque Iraci está esperando a mãe e a ex-sogra, avós de Felipe, chegarem do Brasil. Ela ainda não sabia, mas o pai de Felipe, Robson Barbosa, também irá se despedir do filho porque o Itamaraty comprometeu-se a ajudá-lo na viagem.

¿ Felipe é cidadão americano, a mulher dele é americana. High Point é a cidade onde foi criado, onde tem todos os amigos, a igreja dele ¿ diz Iraci.

Carioca, 21 anos, Felipe morava nos EUA desde os 11 e estava servindo no Iraque desde 18 de setembro de 2005. Militar há três anos e meio, foi para a guerra porque todos os amigos já tinham ido e estava se sentindo envergonhado de ser o único na Base de Camply Lejeune a não partir para o campo de batalha. Quando anunciou que seria transferido para o Iraque, a mãe e a mulher Christine tentaram convencê-lo a desistir, fizeram chantagem emocional, ameaçaram não falar mais com ele.

¿ Fiz o que todas as mães fazem, tentei mudar a idéia dele. Eu e a mulher dele tentamos tudo. Mas ele foi porque quis, disse que era o trabalho dele ¿ conta, lembrando que passaram juntos uma semana na praia antes de ele embarcar.

Felipe estava assustado com a violência no Iraque, pedia a mãe que mandasse doces, mas em nenhum momento se arrependeu da decisão de ir à guerra. Iraci falou pela última vez com o filho na quinta-feira, pouco antes de ele morrer: Felipe ligou e avisou que telefonaria no dia seguinte, dia do aniversário do irmão mais novo, André, mas o telefone não tocou. Às dez horas da manhã, os oficiais chegaram na casa de Iraci.

¿ Quando o carro parou e os oficiais desceram, sabia o que tinha acontecido, não precisaram falar nada. As pernas ficaram bambas, chorei, gritei. Quando me acalmei, seguraram a minha mão e disseram que ele sofreu um acidente e morreu ¿ relembra, chorando.

Pai não queria que filho seguisse carreira militar

Em Goiânia, o pai de Felipe, o técnico em manutenção de aeronaves Robson de Lima Barbosa, conta que não queria que o filho se tornasse militar. Ele diz que Felipe começou a pensar em entrar para as Forças Armadas após o ataque terrorista ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001.

¿Tentei tirar essa idéia da cabeça dele, mas era sua vocação ¿ conta Robson, que só soube que o filho fora para o Iraque em dezembro.

O pai do soldado contou que os militares americanos se dispuseram a pagar suas despesas para participar do funeral. A viagem, todavia, está condicionada ao conteúdo de um formulário que todo soldado ao viajar para o front tem de preencher, diz ele. Entre as perguntas está onde desejaria ser enterrado caso morra em combate. Felipe teria manifestado desejo de ser sepultado no Brasil, segundo o pai.

Não são só os familiares de Felipe que estão sofrendo. A missionária Neuza de Carvalho, mãe de Daniel Moreira de Carvalho, 24 anos ¿ outro brasileiro no Iraque com as tropas americanas ¿ solidarizou-se com os parentes do rapaz. Evangélica, assim como familiares do militar morto, ela conta estar preparada para qualquer tipo de dor.

¿ É lógico que ficamos tristes, mas a opção dele foi essa. No início fomos contra. Ele chegou a fazer faculdade de História, mas depois do ataque ao World Trade Center, decidiu ser militar ¿ diz Neuza.

COLABORARAM Orlando Carmo Arantes, de Goiânia (Especial para O GLOBO), e Marcus Alencar (Do Extra)