Título: JUSTIÇA ISENTA
Autor:
Fonte: O Globo, 01/02/2006, Opinião, p. 6

Decisão da Justiça não se discute, cumpre-se. A máxima é antiga, e também não comporta discussões. A Justiça, por mediar os conflitos na sociedade, precisa manter-se eqüidistante dos demais Poderes. Mas para este não ser um conceito abstrato, cada magistrado tem de segui-lo como princípio inarredável.

A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, de aceitar pedido de liminar contra a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico de Paulo Okamotto, amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será cumprida, por óbvio. Infelizmente, porém, as conhecidas ¿ e não desmentidas ¿ aspirações do ministro de voltar à vida política têm atraído contra seus atos no STF suspeições que não podem pairar sobre qualquer veredicto de um magistrado ¿ e nem fazem juz à biografia do revisor da Constituição de 88.

Político profissional de larga experiência, Jobim deverá antecipar a saída do STF para voltar à militância partidária. São várias as especulações sobre o papel que aspiraria cumprir nas eleições presidenciais deste ano. Fala-se nele até como vice na chapa de Lula.

Há quem credite ao azar a coincidência de Jobim estar na presidência do STF no momento em que, investigados por CPIs, autoridades do governo e próceres do PT acionam seguidamente a mais alta corte do país na defesa de direitos que consideram legítimos. Com isso, o ministro, já com suas aspirações pessoais conhecidas, terminou se vendo obrigado a lavrar veredictos de grande repercussão política.

Na verdade, a coincidência tem um aspecto amplamente positivo: o de colocar em questão o risco de se indicar políticos em atividade para as supremas cortes. Reforça o alerta a iniciativa do presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, político como Nelson Jobim, de se colocar à disposição dos partidos para disputar o governo do Maranhão, seu estado, ou mesmo a Presidência da República.

Não se questiona o mérito da decisão de Jobim, muito menos sua honradez e a de Edson Vidigal. A questão é institucional: nada pode arranhar a credibilidade do Judiciário. Daí o melhor conselho a esses magistrados é que se declarem impedidos de julgar qualquer demanda com repercussões político-partidárias. Para o bem da Justiça e, por conseqüência, da República.