Título: PARTIDOS FRAGMENTADOS
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 05/02/2006, O País, p. 4

O sociólogo Simon Schwartzman acha que a discussão sobre a verticalização das alianças políticas ¿está baseada em cálculos de quem perde e quem ganha com as diferentes alternativas, e não em uma análise do que é melhor ou pior para o país¿. Ele pergunta: queremos partidos bem estruturados em torno de programas, ou mais amorfos? Queremos partidos que se imponham autoritariamente do centro, ou partidos construídos de baixo para cima?

Na sua análise, ¿o Brasil de hoje combina fortes elementos de uma política programática, que não tínhamos antes, ou tínhamos pouco, com vários tipos de partidos tradicionais que vivem da intermediação política e administrativa. Essas diferenças não ocorrem somente entre partidos, mas inclusive dentro de cada um dos principais¿.

Ele diz que gostaria que os partidos de base programática, do tipo representativo, passassem a predominar cada vez mais. Mas não está convencido de que forçar a verticalização eleitoral ajuda para isto. ¿O Brasil é muito grande, com fortes regionalismos, é totalmente artificial forçar uma coerência dos partidos de forma vertical, e em todos os estados. Eu deixaria esta questão como escolha de cada partido¿.

Já o cientista político Bolívar Lamounier diz que o federalismo dificulta a ¿nacionalização¿ das estruturas partidárias. Segundo ele, no Brasil, na Primeira República, ¿pode-se até dizer que a estadualização foi reforçada por esforços deliberados por parte das principais lideranças, e como conseqüência, temos um sistema político nacional superposto a sistemas estaduais, tendo estes também uma forte dinâmica¿.

O consociativismo, aprofundado a partir de 1930, cria, segundo Lamounier, ¿esse curioso fenômeno de pintinhos e galinhas: uma penca de micropartidos gravitando em torno de alguns partidos grandes¿ . Mesmo os grandes partidos, ressalta Lamounier, nunca chegaram a um grau apreciável de fixação e consolidação: ¿Gelatinosos e perdidos no emaranhado federativo e consociativo, não podem priorizar sua vocação nacional em detrimento das alianças transversais, mas estas tendem a se dar com partidos médios e menores, dentro da lógica de galinha e pintinho¿.

Já o individualismo, que ele define como ¿traço cultural reforçado por mecanismos eleitorais concretos¿, confere um poder decisório muito grande a líderes regionais, ¿principalmente àqueles que controlam distritos de fato, que tendem também a perceber as alianças transversais como um caminho natural e um imperativo de sobrevivência.¿

Para ele, a extensão territorial do país e de alguns dos subsistemas estaduais reforçam o aliancismo. Lamounier encerra sua análise dizendo que ¿tomados em conjunto, os fatores apontados fragmentam e forçam para baixo a estrutura da representação política, dificultando, por um lado, a nacionalização da atividade política, de outro a fixação dos sistemas partidários em torno de poucas e grandes organizações¿.

Simon Schwartzman diz que no Brasil a tensão entre a política ¿de representação¿ e a de ¿cooptação¿ se dava, em grande parte, em termos da tensão entre São Paulo, ¿berço da `república de bandidos¿ que eram os bandeirantes, e do capitalismo brasileiro, onde os capitalistas, e mais tarde os operários, se organizaram para defender seus interesses, e o centro político do Rio de Janeiro, em parcerias e barganhas de tipo coronelista com as elites dos demais estados empobrecidos da Federação, ou com a tradição militar e autocrática do Rio Grande do Sul¿.

Olhando a História do Brasil, diz Schwartzman, o domínio era sempre ou quase sempre do poder central, com breves interregnos como os tempos do ¿café¿ da República Velha. ¿Enquanto isto, os paulistas conseguiam proteger seus interesses, e tentavam se organizar em partidos mais autônomos e independentes, mas nunca, efetivamente, chegavam ao poder¿.

Essa subordinação do centro econômico ao centro político do país era, lembra Schwartzman, ¿o inverso do que pensam normalmente os marxistas e os politicólogos de tradição americana, ou européia, que é a economia, com seus jogos de interesse e relações de classe, que condicionava e dava forma ao sistema político¿.

Para ele, esta seria ¿a base do autoritarismo brasileiro¿, que só se alteraria ¿quando São Paulo, naquilo que poderia representar de uma sociedade mais autônoma e senhora de seu destino, crescesse e se espalhasse por todo o país, transformando as administrações burocráticas em governos eficientes, e os partidos políticos em organizações de articulação de interesses e preferências de setores importantes da sociedade¿.

Simon Schwartzman admite que este esquema de interpretação ¿deixa muitas coisas importantes de fora, e uma delas é o populismo, que eu interpretava basicamente como uma outra modalidade de cooptação, o que é verdadeiro para Vargas, possivelmente, mas não para Jânio e outros demagogos com um forte componente fascista, que outros países latino-americanos conheceram mais do que gente¿.

Ele analisa que antes dos governos militares, havia partidos nacionais ¿ PSD, UDN, PTB ¿ e partidos paulistas ¿ PSP e outros menores. Depois do governo militar, ¿surgem os melhores exemplos de partidos representativos no Brasil, com todos os seus defeitos ¿ o PSDB e o PT, ambos ancorados em São Paulo¿.

Com esses dois partidos, Schwartzman achava que sua tese dos anos 70 se cumpriria, ¿com a incorporação de São Paulo ao lugar que lhe é devido no centro da política brasileira poderia contribuir para esvaziar os velhos sistemas de cooptação, e abrir uma nova era de política representativa no país¿.

No entanto, na sua avaliação, ¿o PSDB desenvolve uma nova política de governadores, enquanto que o PT incorpora as piores práticas da política de cooptação. Não vai ser assim tão fácil¿, lamenta Schwartzman.