Título: MILITARES DO ARAGUAIA QUEREM INDENIZAÇÃO
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 05/02/2006, O País, p. 15

Grupo obrigado a combater comunistas quer entrar na Justiça para receber como reservista

BRASÍLIA. Um grupo de 40 ex-militares que atuou no combate aos comunistas do PCdoB na Guerrilha do Araguaia quer receber indenização do governo. Eles estarão em Brasília neste fim de semana para se reunir com integrantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB. Derrotados na Comissão de Anistia, onde não foram reconhecidos como vítimas da ditadura, vão entrar com ação na Justiça Federal reivindicando o direito de serem reincorporados ao Exército e receber benefícios como reservistas.

Todos são moradores da região da guerrilha, no sul do Pará. Vários serviam ao Exército na época e outros foram obrigados pelos militares a ajudar na caça aos comunistas por conhecerem bem a área e, principalmente, a mata.

Esses ex-militares criaram a Associação Brasileira de Ex-combatentes da Guerrilha do Araguaia. Eles contam que eram torturados pelos oficiais e soldados do Exército durante os treinamentos e que eram despreparados para enfrentar a guerrilha. Muitos apresentam seqüelas como cegueira parcial e surdez, e um até perdeu um testículo.

Soldado do Tiro de Guerra de Marabá em 1972, Carmélio Araújo dos Santos conta que o grupo foi convocado pelo Exército para seguir para a região da guerrilha sem ser informado da missão. Segundo ele, até aquele dia sequer tinham dado um tiro na unidade em que serviam:

¿ Puseram a gente num caminhão pau-de-arara e no caminho treinamos tiros numa castanheira. Ninguém acertava um. Não tínhamos condições de combater.

Entre os 40 militares, há seis que atuaram como guias, os chamados mateiros. Alguns, como Abel Honorato de Jesus, foram presos por ter convivido com os comunistas. Ele trabalhou para Oswaldão, um dos principais líderes da guerrilha, e foi perseguido pelos militares. Ficou quatro meses preso e incomunicável. Perdeu a pequena propriedade que conseguiu comprar e várias cabeças de gado, confiscadas pelo Exército:

¿ Acusaram-me de ser comunista sem eu saber o que era isso. Só sei que esse pessoal era mais gente boa. Vi gente ser presa. A gente não tinha saída.

Mateiro diz que preparou emboscada aos guerrilheiros

Manoel Ferreira, de 89 anos, se lembra de ter carregado a comunista Maria de Fátima, morta pelos militares.

¿ Eles chegavam com armas para mim e diziam: tu vais ou não vais? ¿ disse Ferreira.

Manoel Lima era um dos que mais conheciam a mata e era amigo dos guerrilheiros. Até que foi abordado e preso pelo major Sebastião Curió, militar que liderou o combate aos comunistas. Solto, Manoel foi obrigado a colaborar com o Exército. Acabou orientando soldados para uma emboscada aos guerrilheiros:

¿ Assisti à morte de três. Sinto desgosto só de contar. Não tinha como não fazer. Hoje sofro de asma e estamos tentando recuperar parte do que perdemos. (Evandro Éboli)