Título: COOPERATIVAS DE EXPLORAÇÃO
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 06/02/2006, Economia, p. 14

Ministério Público processou 88 empresas por fraude em 250 mil contratações

OMinistério Público do Trabalho criou uma força-tarefa para investigar redes nacionais especializadas na intermediação de mão-de-obra por meio de falsas cooperativas sediadas em São Paulo. A busca das empresas por custos menores fez crescer o mercado de terceirizações, hoje disputado também por cooperativas como a Cooperdata, com atuação em quase todos os estados do Brasil, e Coopserv, com braços em Rio, Bahia e Minas Gerais. As duas estão entre as 54 cooperativas e 88 empresas processadas por fraude e sonegação nos últimos seis meses, quando foram propostas 56 ações civis públicas envolvendo 250 mil trabalhadores explorados.

¿ São Paulo está se tornando o berço de cooperativas que atuam em diversos estados, criadas para explorar trabalhadores, sonegar tributos e encargos trabalhistas ¿ informa o Coordenador Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, Rodrigo de Lacerda Carelli, líder da força-tarefa formada por procuradores de todas as unidades da federação. O grupo reúne ainda representantes do Ministério do Trabalho, da Delegacia Regional do Trabalho, da Justiça do Trabalho e do INSS.

As agências de emprego travestidas de cooperativas recrutam para trabalho assalariado, mas sem garantias previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Como teoricamente são sócios do negócio, os cooperados não têm carteira assinada, férias, folga remunerada, décimo terceiro, FGTS etc.

¿ Subordinação imediata, jornada de trabalho, pessoalidade e percepção de salário enquadram-se nas regras dos artigos 2º, 3º e 9º da Consolidação da CLT e estão entre as características do serviço que não pode ser prestado por cooperativas ¿ destaca o diretor executivo da Associação das Empresas Prestadoras de Serviços (AEPS), José de Alencar.

Rio tem mais de 1.500 firmas de terceirização

O vigilante Valdemir Pereira do Nascimento conhece bem as diferenças. Funcionário da empresa Personal Service, ele atuava como ascensorista no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) desde agosto de 1997. Terminado o contrato e vencida a licitação pela Service Coop, todos os empregados da Personal Service tiveram que se associar à cooperativa para não perder o emprego. Apesar de ter virado cooperado em maio de 2001, ele continuou ganhando como assalariado:

¿ Eu não recebia participação nos lucros. Só o salário, de R$225, quando o piso da categoria era de R$255 ¿ disse ele.

Além de nunca ter sido convidado a participar de assembléias da cooperativa, Nascimento tinha chefe, horário de trabalho fixo e cartão eletrônico de ponto. Empregado há dois anos e um mês na empresa Serv Seg, em Duque de Caxias, ele trabalha como vigilante e tem um salário-base de R$ 574,76. Chega a tirar mais de R$1.000, dependendo das horas extras no mês, e tem folga remunerada.

No Rio, há mais de 1.500 firmas de terceirização com cerca de 150 mil trabalhadores. Mas, segundo Alencar, ao contrário dos sócios cooperados, os funcionários dessas empresas de alocação de pessoal têm carteira assinada e todos os direitos garantidos.

¿ O mercado está em ebulição porque as empresas preferem focar no seu core business, a atividade principal, e deixar que firmas especializadas administrem desde pessoal administrativo ao de apoio, como limpeza e vigilância ¿ diz Alencar.

O uso de pessoal de cooperativa garante economia imediata. Mas depois a dor de cabeça e os custos podem ser maiores. Quando a fraude é descoberta, o Ministério Público solicita que a Justiça determine a interrupção imediata das contratações e negocia a regularização da situação dos trabalhadores com data retroativa à que começaram a prestar o serviço. O contratante fica sujeito a multa e ao recolhimento de indenização ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A Delegada Regional do Trabalho (DRT) do Rio, Lívia Arueira, afirma que a multa por contratação irregular é de R$380 por trabalhador. Entre 2003 e 2004, a DRT fiscalizou cerca de 13 mil empresas, especialmente nas áreas de saúde e serviços, em que se concentram as terceirizações irregulares. Esta ofensiva resultou em mais de 5,5 mil autos de infração, na contratação compulsória de 28,2 mil trabalhadores e no recolhimento de R$22 milhões ao FGTS.

Já a força-tarefa do Ministério Público, que atua desde agosto de 2005 especificamente em São Paulo, ajuizou ações de R$100 mil a R$20 milhões para indenização ao FAT. Quatro liminares já foram concedidas pela Justiça, entre elas a que envolve a Cooperativa Mista de Administração de Negócios (Coman) e as empresas Válvulas Record Indústria e Comércio Ltda e a Record SPA.

Contratações via cooperativas cresceram depois que a Lei 8949/94 incluiu um parágrafo único na CLT dizendo que qualquer que seja o ramo da cooperativa, não existe vínculo de emprego entre os cooperados e os tomadores do serviço e entre os cooperados e a cooperativa. Na área de saúde, a tradicional utilização de cooperativas uniprofissionais de médicos se estendeu às sociedades que reúnem enfermeiros, faxineiros, ascensoristas e profissionais de diversas outras áreas.

Com mais de 30 anos no mercado, a Unimed, por exemplo, é uma cooperativa em que os médicos de fato são sócios do negócio. Eles trabalham de forma autônoma, ganham por produção e dividem as chamadas sobras dos resultados, ou seja, os lucros da cooperativa.

Já a Multisa Cooperativa Multiprofissional de Saúde fornecia diversos tipos de profissionais para a Medial de Saúde, de São Paulo, até que a fraude foi constatada. O Ministério Público negociou um Termo de Ajustamento de Conduta para regularização da situação, mas a empresa não cumpriu e, em novembro de 2005, a procuradora Daniela Landim Paes Leme entrou com ação civil pública contra a Medial Saúde e a Multisa.

A Medial Saúde informou que tem cerca de 3.600 empregados regularmente registrados. Reconheceu utilizar serviços de cooperativas médicas uniprofissionais que, ¿de forma alguma, se enquadram nos requisitos de vínculo trabalhista.¿ Mas admitiu também que ¿no passado, quando governo e sindicatos procuravam estimular o cooperativismo¿, utilizou outras cooperativas, como de digitadores temporários. Acrescentou que, devido à ¿polêmica que se estabeleceu sobre esta prática¿, deixou de utilizar cooperativas que não a médica uniprofissional.