Título: DINAMARCA É ALVO NO LÍBANO
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Fonte: O Globo, 06/02/2006, O Mundo, p. 18

Milhares de muçulmanos incendeiam embaixada em protesto contra charges de Maomé

BEIRUTE

Numa perigosa escalada dos protestos contra a publicação de charges do profeta Maomé em jornais europeus, milhares de muçulmanos incendiaram ontem a embaixada da Dinamarca em Beirute e atacaram um bairro cristão da capital libanesa, apedrejando uma igreja. As manifestações resultaram em confrontos com forças de segurança e elevaram a tensão num país de antigas rivalidades religiosas. Em quase uma semana de protestos em vários países, pela primeira vez alvos cristãos foram atacados e pela primeira vez muçulmanos entraram em choque com cristãos.

Em meio aos distúrbios, o ministro do Interior libanês, Hassan al-Sabaa, renunciou, culpando pessoas infiltradas entre manifestantes pela violência. Convocado como uma manifestação pacífica pela Campanha Nacional de Defesa do Profeta Maomé (que integra vários grupos islâmicos), o protesto foi um dos mais violentos no Líbano nos últimos anos: um manifestante morreu e 18 ficaram feridos. Também se feriram 21 policiais. Na véspera, milhares de muçulmanos haviam invadido e incendiado as embaixadas dinamarquesa e norueguesa na Síria.

Em vão, líderes políticos e clérigos libaneses pediram calma aos muçulmanos furiosos.

¿ Isso nada tem a ver com o Islã. Desestabilização da segurança e vandalismo passam uma imagem errada do Islã. O profeta Maomé não pode ser defendido dessa maneira ¿ disse na TV o premier libanês, Fuad Siniora.

As forças libanesas prenderam 174 manifestantes: 76 deles sírios, 38 libaneses, 35 palestinos e 25 beduínos.

Cristãos reagem a ataque a igreja

A polícia disparou tiros para o alto e usou gás lacrimogêneo e canhões de águas na tentativa de dispersar a multidão de cerca de 20 mil pessoas, sobre a qual se erguiam faixas com frases como ¿Quem insultar o profeta Maomé deve ser morto¿. Um dos manifestantes que atearam fogo ao prédio foi cercado pelas chamas e morreu ao se jogar do terceiro andar. Outros destruíram extintores de incêndio para impedir que o fogo fosse apagado e ergueram uma faixa em que se lia: ¿Estamos prontos para sacrificar nossos filhos por você, profeta Maomé.¿ Foram incendiados e danificados 50 carros, 40 lojas e uma agência bancária.

Os choques entre cristãos e muçulmanos tiveram início depois de manifestantes jogarem pedras numa igreja católica maronita e quebrarem janelas de um escritório da Cruz Vermelha. Para defender seus bairros, grupos de jovens cristãos se armaram de pedaços de pau e de barras de ferro, fizeram barricadas com pneus em chamas e bloquearam uma estrada que liga Beirute ao Vale Bekaa, de população predominantemente muçulmana.

Protestos em Bruxelas e Paris

A Dinamarca pediu a seus cidadãos que deixassem o Líbano. Em comunicado, advertiu: ¿Os dinamarqueses devem permanecer em casa até que haja meios de partir. A situação em Beirute não está controlada¿. Temendo protestos, funcionários da embaixada já haviam deixado o prédio no sábado. Ali funciona também o consulado da Áustria. O chanceler dinamarquês, Per Stig Moeller, declarou:

¿ O governo dinamarquês exorta os líderes políticos e religiosos nos países envolvidos que peçam às populações para permanecerem em calma e evitarem a violência.

Em Copenhague, dinamarqueses foram às ruas pedir um diálogo de paz com os muçulmanos.

O dia foi marcado por protestos também em Afeganistão, Cisjordânia, Iraque e Nova Zelândia. No Iraque, o Ministério dos Transportes anunciou o congelamento de contratos com a Dinamarca e a Noruega. Sábado, o Irã anunciara uma revisão de seus contratos com países onde as charges foram publicadas. Ontem o premier norueguês, Jens Stoltenberg, considerou uma violação da lei internacional o fato de a Síria não ter impedido o ataque de sábado a sua embaixada e afirmou que levará o caso à ONU.

Em protestos contra as charges, quatro mil pessoas foram ontem às ruas em Bruxelas e cerca de mil em Paris. Em Londres também tem havido manifestações pacíficas.

Os protestos tiveram início semana passada, depois de líderes islâmicos divulgarem 12 charges de Maomé que haviam sido publicadas em setembro num jornal dinamarquês. Uma delas mostra o profeta com um turbante no formato de uma bomba. O Islã não permite a reprodução de imagens de Maomé e muitos muçulmanos consideraram os desenhos um insulto. Depois disso, jornais de vários países europeus republicaram as charges, em nome da liberdade de imprensa ¿ jornais americanos e britânicos não o fizeram, alegando respeito ao Islã. Logo os protestos se espalharam por países como Indonésia, Paquistão, Afeganistão e Sudão e em territórios palestinos. Países muçulmanos chamaram embaixadores de volta e foram iniciados boicotes a produtos da Dinamarca. Uma empresa de laticínios do país disse estar amargando um prejuízo de US$1,8 milhão por dia depois de seus produtos serem removidos das prateleiras em Arábia Saudita, Qatar e Kuwait.