Título: `Governos querem se reconciliar com a população¿
Autor:
Fonte: O Globo, 07/02/2006, O Mundo, p. 23

PARIS. Para Barah Mikail, do Instituto de Relações Internacionais e Estratégias (IRIS), em Paris, governos árabes impopulares estão explorando politicamente a crise como forma de reconquistar a população.

Governos árabes incitaram os protestos?

BARAH MIKAIL: Houve quatro meses entre a primeira publicação das charges, por um jornal dinamarquês, e as manifestações. Houve primeiro a reação política de alguns governos, seguida de manifestações. A exceção foi o protesto na Dinamarca há quatro meses, quando cerca de 15 mil muçulmanos foram às ruas. O que ocorre agora parece ter partido de uma reação da Arábia Saudita que, de repente, decidiu boicotar produtos da Dinamarca. Depois, virou uma bola de neve.

As caricaturas foram, então, um bom pretexto para governos e grupos políticos capitalizarem?

MIKAIL: Vários governos do Oriente Médio têm interesse em se aproveitar do caso para se reconciliarem com a população. Muitos no Oriente Médio acusam seus governos de serem muito pró-americanos ou pró-Ocidente. Para governos como o da Arábia Saudita, por exemplo, protestar contra as caricaturas é uma maneira de assegurar seu lugar junto à população.

Qual o remédio para se evitar uma nova crise semelhante?

MIKAIL: Os ocidentais são mal acolhidos pelos muçulmanos e árabes em geral. Há uma incompreensão que é preciso superar. Em vez de impor soluções ao Oriente, os ocidentais têm que buscar compor com os orientais, para permitir a discussão.

Os ocidentais, então, também são responsáveis ?

MIKAIL: Sim, no sentido de que ainda nos mantivemos no esquema dominador-dominado, e isso é muito mal percebido pela população (do Oriente Médio), que tem que lidar com as decisões que vêm do exterior. Não estamos na direção da consolidação da vontade destes povos, não estamos no caminho democrático. É uma contradição com o que dizem americanos e europeus, no sentido de que é preciso deixar estes povos se expressarem.