Título: Quatro anos é pouco
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 10/02/2006, O PAÍS, p. 3

RESERVA DE VAGAS

Reitores querem mais tempo para universidades federais se adaptarem ao sistema de cotas

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) vai tentar alterar no Senado o projeto que instituiu o sistema de cotas nas universidades federais. A entidade é contra a aplicação das cotas num prazo de quatro anos. Para os reitores das federais, esse tempo é curto demais. O projeto aprovado na Câmara estabelece que 50% das vagas deverão ser destinadas a alunos que cursaram todo o ensino médio na rede pública, e prevê ainda que parte dessas vagas sejam destinadas para negros e índios de acordo com a proporção da população medida pelo IBGE. O secretário-executivo da Andifes, Gustavo Balduíno, disse que a entidade não é contra a política de cotas e de ações afirmativas, mas defende prazo maior, e que é preciso respeitar a autonomia das universidades e permitir que cada uma se adapte no tempo que for preciso para receber os alunos cotistas. A proposta de reforma universitária negociada pelo Ministério da Educação com os reitores estabelece prazo até 2015 para as cotas entrarem em vigor. Para Balduíno, é preciso primeiro criar condições reais para inclusão desses estudantes e preparar as universidades para recebê-los: ¿ Do contrário, o aluno vai entrar na universidade e sair no semestre seguinte. Serão necessários mais livros, mais bibliotecas, mais recurso para subsidiar alimentação, subsidiar transporte e alojamento. E também será preciso condições pedagógicas, dar reforço de aulas nas matérias em que o aluno tiver mais deficiência. O ministro da Educação, Fernando Haddad, defendeu as cotas, mas lembrou que o MEC tem sua proposta, prevista na reforma universitária, cujo texto ainda está na Casa Civil e não foi enviado ao Congresso: ¿ O projeto foi aprovado numa comissão, não no plenário, a proposta está tramitando. É um debate ardente. O Congresso optou por um ritmo mais acelerado que a nossa proposta. Haddad defendeu a tese de que a adoção de políticas afirmativas, como as cotas, ¿não prejudicam o mérito acadêmico¿: ¿ Muito ao contrário, reforçam o mérito acadêmico. Mas está em discussão o prazo de implementação. O ministério vai fazer a mediação para que se chegue ao bom termo tanto para a sociedade como para as universidades.

Rico que cursa escola pública pode ser cotista

No sistema de cotas aprovado anteontem não há critério de renda familiar. Pobre ou rico que estude na escola pública terá direito a usufruir das cotas. Balduíno lembrou que as cotas beneficiarão os alunos de colégios militares e dos centros federais de ensino técnico (Cefets), que normalmente já têm bom desempenho nos vestibulares. Para ele, essa é uma distorção da proposta, já que a renda das famílias desses alunos é superior à dos estudantes de escolas públicas municipais e estaduais: ¿ Como está, o projeto irá beneficiar quem não está na faixa econômica e social que interessa ao espírito do projeto. Eles podem fazer o vestibular, estão bem preparados. O secretário da Andifes lembrou que as universidades federais que já implementaram a política de cotas, como a de Brasília (UnB), do Paraná (UFPR) e da Bahia (UFBa), adotaram percentuais bem menores que os 50% previstos no substitutivo da deputada Iara Bernardi (PT-SP). Os líderes dos principais partidos de oposição anunciaram ontem que vão tentar levar a plenário a votação da proposta de Iara. Um recurso pode impedir que o texto seja remetido ao Senado sem passar pelo plenário da Câmara. O projeto de cotas foi aprovado em caráter terminativo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e por isso não precisaria ir a plenário. Para o deputado Rodrigo Maia (RJ), líder do PFL, o projeto é polêmico demais: ¿ Como está colocado, certamente fere o direito a igualdade de todos os brasileiros. ¿ O projeto não foi discutido na Câmara, apenas numa comissão. A matéria é complexa. Quem tem que opinar é o conjunto da Câmara e não apenas um pequeno agrupamento ¿ disse o deputado Alberto Goldman, líder do PSDB. O líder do PT, Henrique Fontana (SP), não quer que a votação do projeto seja postergada. ¿ Não ajuda em nada¿- disse o petista. O presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), José Antônio Teixeira, disse que a entidade é favorável à reserva de vagas para alunos de escolas públicas, mas contrária às cotas raciais. Os donos de escolas acreditam que a medida deva ser aplicada por um período de dez anos. A Fenep divulgou ontem uma pesquisa feita pelo Ibope na qual 53% dos entrevistados se declaram a favor de cotas para estudantes de escolas públicas. O índice de rejeição à medida é de 44%. Já em relação às cotas raciais (para negros e índios), 36% são favoráveis e 61% são a implementação do sistema.