Título: LULA NA ÁFRICA: APLAUSOS E GAFES
Autor: Maria Lima
Fonte: O Globo, 13/02/2006, O PAÍS, p. 8

Presidente conquista aliados mas declarações politicamente incorretas desagradam

PRETÓRIA, África do Sul. Na sua quinta viagem oficial à África, quando visitou quatro países nos últimos seis dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi festejado pelos chefes políticos locais e concluiu ontem a última etapa acreditando que ampliou sua liderança política na região. Ao fazer um balanço positivo da visita, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, não descartou uma nova visita de Lula a países africanos ainda este ano. ¿ Não sei se dará tempo para organizar (neste ano). Eu, como sou otimista, tenho certeza que o presidente Lula certamente voltará à África ¿ disse Amorim, dando a entender que se não for este ano poderá ser num eventual novo mandato. Embora nenhum acordo comercial importante tenha sido assinado nos países visitados ¿ Argélia, Benin, Botsuana e África do Sul ¿, foram firmados protocolos de cooperação para levar ajuda brasileira principalmente aos mais pobres, para o combate à Aids e à malária. Na última etapa da viagem, ontem, na África do Sul, o presidente Lula participou da Cúpula da Governança Progressista, fórum de discussão criado a partir da ex-Terceira Via do primeiro-ministro britânico, Tony Blair. Neste encontro, Lula se destacou na organização de uma discussão paralela sobre comércio mundial e as restrições impostas pelos países ricos aos países pobres e emergentes. Embora tenha merecido lugar de destaque na reunião, Lula chamou a atenção na entrevista coletiva final com a presença dos sete chefes de estado presentes, por comparações consideradas politicamente incorretas. O primeiro mal-estar aconteceu quando, ao criticar a tomada de decisões na OMC pelo consenso de todos os membros, Lula citou de forma pejorativa e inferior o camelo, animal comum e muito útil na região, ao contar uma lenda: ¿ Dizem que uma comissão viu um quadro com um cavalo lindo, e o cavalo tinha sido feito por Deus. A comissão achou, então, que poderia pintar um cavalo ainda mais perfeito, por consenso. Ficaram todos olhando e cada um tentando chegar a um consenso. No final, ao invés de pintar um cavalo bonito, fizeram um camelo. A única que riu foi a primeira ministra da Nova Zelândia, Ellen Clark. O primeiro ministro da Etiópia, Meles Zenawi, e o próprio Mbeck franziram o cenho com olhar de desagrado. Depois, a citação de que era cristão, e por isso, otimista quanto a um desfecho positivo das negociações no âmbito da OMC, também foi visivelmente rejeitada por alguns dos participantes, não-cristãos. Na Argélia, primeiro dos países visitados, Lula saiu com a promessa do presidente Abdelaziz Boutlefica de suspender as restrições à importação da carne bovina do Brasil. Mesmo sem conseguir o apoio da Argélia para as reivindicações do governo brasileiro ¿ reforma da ONU e presença do Brasil no Conselho de Segurança ¿, o chanceler ressalta a importância da aproximação com o partido árabe. ¿ A Argélia é um país muito ativo nas relações internacionais e pode nos ajudar em temas importantes. Então temos de manter o diálogo ¿ disse Amorim. Também foi considerada estratégica a passagem de Lula por Botsuana, país rico com o menor índice de corrupção entre os países africanos segundo a ONG Transparência Internacional, e apóia o Brasil para o Conselho de Segurança da ONU. Em Gaborone, capital do país, foram assinados acordos de cooperação para prevenção e tratamento de infectados pelo vírus HIV, e na área de esportes.