Título: CAOS DE VOLTA AO HAITI
Autor: Roberta Jansen
Fonte: O Globo, 14/02/2006, O MUNDO, p. 24

Multidão furiosa paralisa capital em protestos contra resultados que levariam Préval a 2º turno

Os protestos que desde domingo tomam as ruas da capital do Haiti, Porto Príncipe, alastraram-se ontem e se tornaram mais violentos, provocando uma morte. O trânsito da cidade entrou em colapso depois de manifestantes montarem barricadas com pneus em chamas, e o hotel que abriga a Comissão Eleitoral foi invadido. O motivo foram os últimos resultados parciais da eleição presidencial, segundo os quais o candidato René Préval passou a ter menos da metade do votos, o que o levaria ao segundo turno. Houve reuniões entre autoridades haitianas, representantes da ONU e o premier interino, Gerard Latortue, durante todo o dia. À noite, Préval se reuniu com Latortue, o presidente Boniface Alexandre e o representante especial da ONU no país, o chileno Juan Gabriel Valdés, no Palácio Presidencial para tentar encontrar uma saída política para a crise. Milhares de seus seguidores esperavam em frente à sede do governo que o candidato falasse com eles. Um jovem morreu no norte de Porto Príncipe. Manifestantes acusaram soldados jordanianos da força de paz da ONU no Haiti, comandada pelo Brasil. - Estávamos protestando de forma pacífica quando a ONU começou a disparar - afirmou Walrick Michel, de 22 anos. O porta-voz da ONU, David Wimhurst, negou que os soldados tenham atirado contra os manifestantes: - Tiros foram disparados por pessoas não identificadas na mesma área. Posso assegurar que ninguém foi ferido pelas tropas da ONU. No momento de maior tensão do dia, manifestantes invadiram o Hotel Montana, onde são divulgados os resultados parciais pela comissão eleitoral. Os funcionários ficaram isolados por mais de duas horas. O arcebispo anglicano sul-africano Desmond Tutu, que está hospedado no hotel, pediu calma aos invasores. Reforços da ONU chegaram em helicópteros. As áreas comuns do hotel foram invadidas e a piscina foi tomada por centenas de manifestantes. O premier interino pediu calma. - A comissão (eleitoral) errou ao prometer uma apuração em três dias. Está levando muito mais tempo do que pensávamos. Ninguém quer falsificar os resultados - disse ele. Latortue também se dirigiu diretamente a Préval: - Ninguém no governo vai aceitar que roubem sua vitória. Se chegarmos a 50% mais um, vamos proclamá-lo presidente. Se não, a lei prevê que se pode impugnar legalmente os resultados. Enquanto a população protestava, autoridades locais e internacionais - entre eles os embaixadores de EUA,Timothy Carney, e Brasil, Paulo Cordeiro, além de Valdés - estiveram reunidos desde as 7h30m com o primeiro-ministro e, mais tarde, com o próprio Préval. - Estamos tentando promover um diálogo político - contou ao GLOBO, por telefone, o embaixador brasileiro. - Estamos colocando Préval em contato com as autoridades do governo provisório e com o segundo colocado. O importante agora é acalmar a população. Cordeiro deu a entender que uma saída política pode ser negociada: - Préval teve uma grande vitória - sustentou. - O segundo colocado está bem atrás. Há espaço para um certo legalismo, mas também a necessidade de promovermos o diálogo. Cordeiro sustentou ainda que a eleição foi "a melhor já feita no Haiti": - O processo foi muito bem feito. Pode ter havido pequenas imperfeições, mas há a possibilidade de recontagem - afirmou. - O que está acontecendo agora é uma explosão das paixões. Como as eleições no passado foram fraudadas, os haitianos têm medo, desconfiam. A fúria dos partidários de Préval explodiu na tarde de domingo, com o primeiro resultado parcial em que ele tinha menos de 50% dos votos. Ontem, com 90,02% das urnas apuradas, Préval tinha 48,76% dos votos. Os manifestantes acusam a comissão eleitoral de estar roubando os votos de Préval, alegando que nas primeiras parciais o candidato tinha mais de 60%. Especialistas, no entanto, consideram isso natural, pois a base eleitoral de Préval é a capital e, com a chegada das urnas do interior do país, a tendência era a margem do candidato diminuir.