Título: Peça de ficção
Autor: Carlito Merss
Fonte: O Globo, 20/02/2006, OPNIÃO, p. 6

Oprimeiro parlamento do mundo moderno foi criado na Inglaterra (século XVII) com a função de avaliar e acompanhar os gastos públicos, antes arbitrados pelo rei. Essa função permanece como missão principal da maioria dos parlamentos. No Brasil o Congresso se ocupa por vários meses no processo de discussão do Orçamento. Os trabalhos começam com a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), na qual são definidas as regras para o Executivo apresentar um projeto de lei com as propostas para os gastos públicos no ano seguinte. O projeto tramita por uma comissão mista de deputados e senadores, que se subdivide para melhor apreciar as propostas do Executivo. A essa comissão são encaminhadas emendas coletivas e individuais dos parlamentares. Todo esse trabalho precisa ser feito com certa antecedência, mas com o passar dos meses algumas das premissas usadas na elaboração do projeto de lei podem se alterar. Por exemplo: a expectativa de crescimento da economia ou o comportamento da inflação, e ambas têm impacto sobre a arrecadação e as estimativas de gastos. Portanto, a aprovação do Orçamento é uma tarefa exaustiva e complexa na qual os parlamentares são auxiliados por especialistas do Congresso e por técnicos do governo. Embora a economia brasileira conviva, desde o lançamento do real, com uma relativa estabilidade monetária, os números do Orçamento ainda continuam se parecendo com peças de ficção. O Executivo está sempre inseguro diante das previsões de receita e despesa, de modo que o exercício sempre começa com um decreto de contingenciamento das verbas orçamentárias. Somente no segundo semestre a execução orçamentária se acelera. A demanda do setor público então é sazonal, porém distante da época em que o Orçamento foi elaborado. Executivo e Congresso ainda precisam vencer esse desafio de tornar o Orçamento uma realidade, em vez de peças de ficção.