Título: OS DILEMAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO
Autor: Fernando Henrique Cardoso
Fonte: O Globo, 05/03/2006, O País, p. 14

O Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, e o Iedi realizaram em São Paulo um encontro para discutir as políticas econômicas e o crescimento. A maioria dos economistas presentes, embora pertencendo a escolas diversas e tendo participado de diferentes governos, parece convencida de que o ¿tripé¿ composto por câmbio flutuante, metas de inflação e lei de responsabilidade fiscal é o mecanismo mais adequado para enfrentar os desafios da sustentação do crescimento e da estabilidade em um mundo globalizado.

Caminhos alternativos poderiam em tese ter sido trilhados. Alguém lembrou, por exemplo, que a Coréia do Sul e outros tigres menores mantiveram o câmbio sob controle, a maior parte do tempo subvalorizado, não adotaram metas para a inflação e nem regras explícitas para a gestão das contas públicas. Ocorre que nenhum desses países jamais teve a história inflacionária do Brasil e, em todos eles, os regimes políticos eram autoritários, permitindo comprimir os salários, restringir a expansão do consumo e obter elevadas taxas de poupança e investimento.

Houve discordâncias quanto à eficiência do Banco Central brasileiro para operar o tripé: no passado recentíssimo bem como no passado não tão próximo, houve oportunidades perdidas para reduzir as taxas básicas de juros, pois definiram-se metas de inflação excessivamente baixas e intervalos de tempo excessivamente curtos para alcançá-las.

O ponto alto do debate foram as interpelações diretas dos empresários: o que de novo há nisso tudo? A economia precisa crescer já. Como? Melhor, disseram eles, dirigir às questões à ¿bancada dos políticos¿, como se da cartola dos economistas do Banco Central não pudesse sair coelho... Os economistas, penso eu, são indispensáveis e não estão necessariamente errados. Espera-se que eles tenham a prudência necessária para não pôr em risco os êxitos conquistados, mas que evitem rigidez demasiada na fixação das metas de inflação e afobação quanto ao tempo para alcançá-las. Mas não se pode esperar das políticas macroeconômicas sozinhas o milagre do desenvolvimento.

Chegou a hora de políticos, partidos e candidatos dizerem o que farão nas outras áreas da sociedade para ajudar a economia a crescer de maneira sustentada. Aos políticos, cabe, mantendo o sentido de prudência, ter mais ousadia. Quais as condições necessárias para obter taxas mais elevadas de crescimento econômico e avanços mais rápidos no Índice de Desenvolvimento Humano? Seria o caso de estabelecer metas simultâneas para o crescimento e para os avanços sociais? Seria consistente ter metas de inflação compatíveis com estes propósitos sem arriscar a estabilidade? Lanço as perguntas sem ter as respostas prontas, na convicção de que é preciso discutir sem demora e em profundidade as condições para acelerar já o desenvolvimento.

Ao fazer isso, não imagino a possibilidade de repetir aqui, de imediato, os números do crescimento chinês, quer pelo tamanho daquela economia quer pelo poder que tem o governo daquele país para comprimir os salários e o consumo e gerar maior poupança, maior investimento e maior acumulação. Não temos as condições nem o desejo de seguir o mesmo caminho.

Em nosso caso, a parte mais difícil da tarefa será mudar a composição e a qualidade do gasto público para diminuir globalmente sua expansão, cortar gastos correntes (hoje em trajetória ameaçadora de crescimento) e ampliar os investimentos produtivos (em trajetória inversa e muito preocupante). Mas a quais gastos dar prioridade? Para mim, ao investimento em infra-estrutura (saneamento, transporte e energia, nesta ordem) e em educação (que é a chave do futuro), principalmente na educação básica. Sem esquecer do gasto em segurança pública, teoricamente não-produtivo, mas que se tornou estratégico e que terá de ser feito quase integralmente pelo setor público. Dar prioridade não significa apenas, às vezes nem necessariamente, gastar mais, mas empenhar todos os esforços para gastar melhor.

Além de abrir espaço no Orçamento para o investimento público, é necessário criar o ambiente propício ao investimento privado. Na área de infra-estrutura, um ponto é inescapável: o fortalecimento das agências reguladoras. Sem isso, teremos, ao mesmo tempo, o pior de dois mundos: escassez de investimentos e sobra de desvios em dutos de corrupção (hoje à mostra de todos).

Para dispormos de excedentes para investir produtivamente é essencial, ademais, recolocar na ordem do dia a dificílima questão da Previdência. Não haverá governo ou Congresso capaz de prosseguir as reformas necessárias sem que a opinião pública dê sustentação a essas medidas. Os que se lançarem à tarefa sem esse apoio serão estigmatizados, como no passado recente, de ¿inimigos dos velhinhos¿. Trata-se, portanto, de desafio a ser enfrentado por toda a sociedade, não apenas pelos governos.

Criado um clima de opinião favorável à retomada das reformas e do crescimento da economia, será possível triplicar ou quadruplicar os investimentos produtivos federais até ao final do próximo mandato. Não me causa alergia utilizar a poupança pública em investimentos produtivos (e não só os mencionados acima), como fiz em meu governo, apesar de toda a ladainha de que era neoliberal. Indigna-me, isto sim, a desfaçatez de quem diz que é possível aumentá-los sem dizer de onde tirar os recursos e de quem pensa que ¿basta cortar os juros¿ para que o milagre do crescimento ocorra. A palavra está pois com os partidos e com os candidatos para darem resposta realista ao clamor pela baixa dos juros e proporem a retomada de um crescimento que beneficie o povo e não apenas os donos do PIB.