Título: A BANCADA DA SEGURANÇA
Autor: Sérgio Ramalho
Fonte: O Globo, 05/03/2006, Rio, p. 16

A vidraça da segurança pública virou vitrine no jogo político do Rio. A sete meses das eleições, é recorde o número de policiais com a mira voltada a uma vaga na Câmaras de Deputados ou na Assembléia Legislativa. Graças à visibilidade alcançada através de cargos importantes na estrutura da polícia, sete delegados e dois coronéis da PM vão disputar a preferência dos eleitores cariocas e fluminenses. É o voto da insegurança.

Apesar de historicamente o fenômeno não ser novo, nesse pleito a quantidade de candidatos-policiais vai desfalcar os principais cargos da cúpula da área de segurança. Para concorrer às vagas no Legislativo terão que se desligar das funções o secretário de Segurança, Marcelo Itagiba; o chefe de Polícia Civil, Álvaro Lins; o subsecretário Operacional, Paulo Souto; e o inspetor-geral das Polícias, coronel João Carlos Ferreira.

Há quatro anos, apenas dois integrantes da cúpula disputaram cargos eletivos. O então secretário, coronel Josias Quintal, eleito deputado federal pelo PSB com 118.455 votos, e o delegado Álvaro Lins, que recebeu 23.500 votos e não conseguiu garantir a vaga de deputado estadual.

Na próxima eleição, a corrida política também vai resultar em mudanças na Divisão Anti-Seqüestro (DAS), de onde o diretor, Fernando Moraes, vai se desligar para disputar uma vaga na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. A Alerj, por sinal, é o alvo de sete dos nove candidatos policiais.

Na bancada da segurança na Alerj, a maioria dos candidatos-policiais segue a cartilha do casal Anthony Garotinho e Rosinha Matheus. Dos sete candidatos, quatro vão disputar por partidos que orbitam na esfera de influência política do casal.

É o caso dos delegados Álvaro Lins (PMDB), Paulo Souto e Fernando Moraes, ambos PMN. Apesar da diferença de perfis, os três defendem uma continuidade no programa do Governo do estado para a área de segurança pública.

Para Álvaro Lins, a saída em grupo de vários integrantes da cúpula do setor não criará uma descontinuidade. Com 20 anos de polícia ¿ 12 como oficial da PM e oito como delegado ¿, Lins defende a necessidade de existência de uma bancada da segurança.

¿ Não é para defender apenas direitos das corporações, mas para criar leis e dispositivos que ajudem no combate à criminalidade ¿ alega ele.

Uma das propostas defendidas é a criação de uma lei de incentivo fiscal à segurança pública nos moldes da existente para a cultura.

¿ Por exemplo: uma empresa de ônibus que instale câmeras nos coletivos poderia abater parte do investimento ao pagar o Imposto de Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) ¿ diz.

Ex-presidente do Conselho Nacional de Polícia Civil, Lins também defende o estabelecimento de um percentual mínimo para o repasse de verbas à área de segurança.

¿ Um percentual nos moldes do estabelecido para educação e saúde ¿ diz ele.

Aos 62 anos, 39 deles na Polícia Civil, o subsecretário Operacional, delegado Paulo Souto, levanta como bandeira o restabelecimento da dignidade do policial através do aumento de salário.

¿ Minhas propostas são agressivas. Em Brasília, policiais civis e militares recebem em média R$2.600 por mês. No Rio, os valores ficam entre R$800 e R$950. É preciso igualar os valores e, então, implantar um programa de tolerância zero contra a corrupção ¿ diz.

Ferrenho defensor da política de segurança do casal Garotinho, Paulo Souto parece alheio ao fato de que um dos pontos mais criticados por entidades ligadas aos policiais se refere ao baixo percentual de aumento dado pelo Governo do estado às corporações.

Com 23 anos de polícia, seis deles à frente da DAS, Fernando Moraes também emprega o discurso em prol da categoria, mas afirma que adotará uma postura crítica em relação à estrutura das corporações, principalmente da Polícia Civil.

¿ É preciso implantar um modelo mais profissional e ágil para facilitar o trabalho de investigação ¿ argumenta ele.

Fernando Moraes cita como exemplo dois procedimentos enviados à Chefia de Polícia Civil, onde solicitava o reembolso de R$2.600, usados na compra de gravadores para a sala de interceptações telefônicas da DAS. Segundo o delegado, os pedidos foram enviados em fevereiro e maio de 2004, mas passados quase dois anos os valores não foram pagos.

¿ Eu precisava dos gravadores e não podia esperar uma licitação para comprá-los. Não posso pedir a um seqüestrador que espere que a DAS compre os aparelhos para iniciar uma negociação ¿ ironiza ele.

De acordo com a assessoria da Polícia Civil, a compra de equipamentos deve seguir normais legais.

Na linha de frente da bancada da segurança, o secretário Marcelo Itagiba, pré-candidato a deputado federal, não se manifestou sobre o assunto. Segundo a assessoria, o delegado não se pronunciará sobre a candidatura. Procurados pelo GLOBO, o inspetor-geral, coronel João Carlos Ferreira, e o coronel Francisco D'Ambrósio, ambos candidatos a uma vaga na Alerj, não foram localizados.

Mas nem tudo é situação na bancada da polícia. Há espaço também para candidatos de partidos de oposição, como a delegada Márcia Julião, da 34ª DP (Bangu).

Filiada ao PSDB há 16 anos, a policial acompanhou os passos do tucano Geraldo Alckmin, no Rio. Pré-candidato à Presidência, ele rivaliza em plano nacional com Garotinho, ex-secretário e chefe da delegada.

Márcia Julião defende uma plataforma mais abrangente. Além de defender a categoria, claro, ela tem um discurso voltado também à área social e ao combate ao preconceito contra as minorias.

¿ Fui professora, escrivã, delegada e agora, após receber o convite do partido, decidi disputar a vaga na Alerj ¿ conta.

Também na oposição, os delegados Zaqueu Teixeira, ex-chefe de Polícia Civil, e Marta Rocha não foram localizados para falar das campanhas.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO concordam que a visibilidade garantida a policiais da cúpula da área de segurança serve como um forte estímulo ao lançamento de candidaturas. O fenômeno, no entanto, é citado como uma prática antiga e não é encarado de forma negativa. Pelo menos nas opiniões dos sociólogos Michel Misse e Ignácio Cano.

Coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, Misse acredita ser salutar a migração de policiais para a política. Para ele, não há dúvida de que a exposição na mídia garantida pelos cargos alavancará as campanhas.

¿ Isso não representa conquista de votos. Os policiais da cúpula são ligados à política de segurança adotada por Garotinho. A vitória deles representa a vitória do modelo ¿ acredita Misse.