Título: AMEAÇAS RECÍPROCAS
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Fonte: O Globo, 06/03/2006, O MUNDO, p. 21

AIEA decide hoje se denuncia Irã à ONU. Washington e Teerã elevam o tom

Às vésperas de uma reunião considerada decisiva da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Irã e Estados Unidos elevaram ontem o tom das discussões nucleares e trocaram ameaças. O principal negociador do governo de Teerã prometeu retomar a produção de combustível atômico em escala industrial se o caso for levado pela AIEA ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e ainda admitiu a possibilidade de usar o petróleo como arma. O embaixador dos Estados Unidos na ONU, John Bolton, respondeu no mesmo tom e garantiu que o Irã enfrentará ¿conseqüências tangíveis e dolorosas¿ se prosseguir com suas atividades nucleares. Sustentou ainda que os EUA estão dispostos a usar ¿todas as ferramentas disponíveis¿ para barrar tal ameaça. A Casa Branca estaria negociando ainda junto ao Conselho de Segurança a imposição de um prazo de 30 a 60 dias para que o Irã interrompa suas atividades nucleares. ¿ O regime iraniano deve estar ciente de que, se continuar no caminho do isolamento internacional, surgirão conseqüências tangíveis e dolorosas ¿ afirmou Bolton, numa convenção de um grupo americano de lobby pró-Israel, em Washington. ¿ Quanto mais esperarmos para enfrentar a ameaça imposta pelo Irã, mais difícil será resolvê-la. Líderes internacionais tentaram ontem acalmar os ânimos e pediram aos dois governos que retomem as conversas em busca de uma solução negociada.

Chirac pede fim de atividades sensíveis

No mês passado, membros da AIEA concordaram em levar o caso do Irã ao Conselho de Segurança depois que o governo de Teerã não conseguiu convencer a comunidade internacional de que seus especialistas nucleares tinham como único objetivo a construção de usinas energéticas e não a produção de armas atômicas. O Conselho de Segurança, que tem o poder de impor sanções, aguarda o resultado do encontro da AIEA hoje para decidir as ações a serem tomadas. ¿ Ir ao Conselho de Segurança não fará o Irã retroceder em pesquisa e desenvolvimento ¿ sustentou Ali Larijani, secretário do Supremo Conselho de Segurança Nacional. ¿ Se o nosso caso for levado ao Conselho de Segurança (da ONU), vamos retomar o enriquecimento de urânio (em escala industrial). Se (os EUA e seus aliados) querem usar a força, prosseguiremos em nosso próprio caminho. Larijani reiterou que seu país, o quarto maior exportador de óleo cru do mundo, não tem planos de usar o preço do petróleo como arma contra o Ocidente, mas acrescentou que essa opção permanece em aberto. Ele lembrou qualquer ação tomada contra o Irã afetará o preço internacional do petróleo. O negociador iraniano frisou ainda que o país está comprometido com o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, mas que esse compromisso também pode ser revisto se Teerã sofrer mais pressões. ¿ Não há uma política iraniana no sentido de abandonar o tratado, salvo se formos forçados a isso numa situação de emergência ¿ disse. Em novembro de 2003, o Irã concordou em adiar temporariamente o desenvolvimento de combustível nuclear em troca de incentivos políticos e comerciais, mas em agosto passado retomou uma das atividades suspensas, a conversão de urânio. Embora diplomatas garantam que o Irã ainda está longe de conseguir retomar a produção de combustível atômico em escala comercial, cientistas sustentam que os dispositivos usados na pesquisa seriam capazes de produzir material suficiente para ogivas em um ano. O ministro das Relações Exteriores da China, Li Zhaoxing, cujo país é membro permanente do Conselho de Segurança e tem poder de veto, pediu ao Irã que retome as negociações com a União Européia e a Rússia. O presidente da França, Jacques Chirac, cujo país também tem poder de veto no Conselho de Segurança, disse ontem em visita à Arábia Saudita que o Irã ainda tem chances de atender aos apelos dos Estados Unidos no sentido de respeitar ¿seu compromisso de suspender atividades sensíveis¿. Líderes do governo iraniano desafiaram os membros da AIEA a não se curvarem a interesses políticos durante a reunião de hoje. ¿ Amanhã (hoje) será a maior oportunidade da AIEA de demonstrar como defende seus membros e sua própria credibilidade ¿ afirmou o porta-voz do ministério das Relações Exteriores, Hamid Reza Asefi. O vice-presidente do Irã, Gholamreza Aghazadeh, coordenador do programa nuclear do país, afirmou: ¿ Os relatórios da AIEA costumam ser políticos e exploram a atmosfera política do momento.