Título: Rocinha é cercada por 300 soldados
Autor: Ana Wambier, Alessandro Soler, Célia Costa
Fonte: O Globo, 15/03/2006, Rio, p. 17

Morador é baleado na perna e um militar dá tiro de fuzil no próprio pé

Fernanda Pontes

Cerca de 300 homens do Exército com dois helicópteros e dois carros blindados tomaram ontem de manhã a Favela da Rocinha, a primeira da Zona Sul a ser ocupada. A passagem da tropa em 30 caminhões e vários jipes parou o trânsito no Jardim Botânico e na Gávea. Os militares foram recebidos ao som de fogos e tiros para o alto. Bandidos lançaram quatro bombas em diferentes pontos da favela. Duas delas foram direcionadas a militares e jornalistas que observavam criminosos no alto da favela armados com granadas e fuzil. Um morador identificado como David Gomes de Oliveira, de 16 anos, foi baleado na perna e o pára-quedista Angelo Gabriel de Souza, de 20 anos, foi a primeira vítima militar nos 11 dias de operação. O soldado atirou acidentalmente no próprio pé. Ambos foram medicados no Hospital Miguel Couto. As tropas deixaram a favela às 19h.

Depois de percorrerem a Avenida Brasil, o Túnel Rebouças e as ruas Jardim Botânico e Marquês de São Vicente, os militares chegaram à Rocinha às 10h30m. Sessenta PMs do Batalhão de Operações Especiais (Bope), com dois carros blindados, conhecidos como Caveirões, entraram com o Exército.

Exército monta barreiras nos acessos

Enquanto um alto-falante anunciava aos moradores o motivo da presença dos militares, panfletos eram jogados dos helicópteros. As mensagens eram direcionadas também aos próprios soldados. O texto afirmava que 93% da população aprovam a missão do Exército.

Os blindados do Exército, equipados com uma metralhadora, foram posicionados na altura da Rua Um e da Curva do S, ao lado de uma escola. Barreiras foram montadas na Estrada da Gávea e na Via Ápia e só motoqueiros tinham liberdade para passar depois de revistados. Como os ônibus e vans eram proibidos de trafegar pela Estrada da Gávea, a maioria dos moradores tinha de subir e descer a favela a pé. Quem estava com o filho na escola ficou preocupado porque nem os ônibus escolares passavam.

¿ Não tem problema os militares fazerem seu trabalho, só fico preocupada com meu filho que saiu da escola e o ônibus não pode trazê-lo ¿ disse uma dona-de-casa.

Os jipes do Exército levavam para o alto da Rocinha moradores com problemas de locomoção. Tudo parecia tranqüilo no primeiro momento. Mas no início da tarde o clima começou a ficar tenso. Por volta das 12h30m, próximo à Rua do Valão, ouviu-se um barulho de bomba seguido de tiros. Outro estouro de bomba aconteceu às 13h. Por volta das 14h, mais duas bombas foram lançadas por traficantes, desta vez na altura da Curva do S, ao lado de uma garagem dos ônibus da Viação Amigos Unidos. Daquele ponto, militares observavam de binóculos bandidos nas lajes de algumas casas. Um dos traficantes estava armado de fuzil e outros seguravam granadas. Pouco depois que fotógrafos começaram a registrar a movimentação dos criminosos, as bombas foram lançadas.

Traficantes fazem provocações pelo rádio

Militares também enfrentaram provocações de traficantes pelos radiotransmissores. Nas mensagens, bandidos ofendiam os soldados e diziam que as tropas não iam conseguir ocupar a maior favela do mundo.

Os militares também montaram uma base operacional no alto do Centro de Cidadania Rinaldo Delamare, em São Conrado. Essa foi a primeira vez que o prédio do município foi usado como base contra traficantes da Rocinha. A estratégia da prefeitura até então era manter o local como um ponto neutro próximo à comunidade.

¿ Fui contatado e autorizei. São ações pontuais que já ocorreram em escolas e vilas olímpicas ¿ disse o prefeito Cesar Maia.

No acesso à Estrada da Gávea pela Marquês de São Vicente, os soldados se concentraram próximo à Escola Americana. Segundo oficiais que participaram da operação, ficou acertado com a direção da escola que, em caso de necessidade, um terreno da instituição seria usado em apoio para operações de pouso e decolagem de helicópteros. Os militares chegaram quando as aulas já tinham começado e a escola funcionou normalmente. A única alteração foi na saída dos alunos, à tarde, já que apenas um dos acessos à escola permaneceu aberto.

Pais e estudantes contaram que a direção do colégio os avisou por volta das 12h, mas que não havia motivos para preocupação. Eles elogiaram a operação dos militares.

¿ A operação merece todos os elogios. Apenas fico triste que a situação tenha chegado a esse ponto ¿ disse a empresária Priscila Jacques, de 35 anos, cujo filho de 5 anos é aluno da escola.

¿ Essas operações deveriam se repetir todos os dias _ acrescentou Andréa Moraes, também mãe de aluno.

A Escola Parque também não registrou mudanças em sua rotina. Segundo a direção, os alunos dos turnos da manhã e da tarde compareceram às aulas normalmente.