Título: `Há uma dicotomia entre o céu da economia e o inferno do ministro¿
Autor:
Fonte: O Globo, 25/03/2006, O País, p. 4

Os principais trechos do discurso do ministro Antonio Palocci em São Paulo

SÃO PAULO. Ao falar na Câmara Americana de Comércio do Brasil (Amcham), o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse que tinha levado um discurso escrito, ¿longo e chato¿, e alguns gráficos ¿também chatésimos¿. E emendou:

¿ Seria melhor nesta semana, que foi tão agitada, ter uma conversa franca com vocês, deixar menos a razão e falar mais com o coração... Embora tenha agências de risco presentes e a gente tenha de ter um certo cuidado ¿ brincou.

Os principais trechos:

¿Como é possível um país ter uma economia que começa a voar em céu de brigadeiro e um ministro que está mais para o inferno, no terceiro ou quarto círculo do inferno de Dante? É possível porque a economia e as instituições brasileiras começam a ganhar uma maturidade que penso serem definitivas. Fico à vontade para falar isso porque não julgo que seja resultado apenas do meu trabalho, nem do meu período. É um esforço de governos e mais governos construindo instituições, estabelecendo pilares no campo econômico, jurídico e político, que permitiram ao Brasil atingir um grau de profundidade nas políticas que as tornam mais permanentes do que as pessoas.¿

¿Então, por isso é possível essa dicotomia entre o céu da economia e o inferno do ministro.¿ (ele cita resultados positivos da política econômica)

¿Desde minha posse, nunca atribuí essas conquistas à minha pessoa nem à minha equipe. Isso é resultado de muito esforço desde o Plano Real, fundamental para a estabilidade. Todos esses movimentos se acumulam para constituir instituições que podem realizar uma política mais forte neste momento.¿

¿Mas aqui quero ser justo também e dizer que, se foi possível trazer essas contas para situação tão melhor do que aquelas que encontramos no momento da nossa posse, isso se deve à firmeza com que o presidente Lula encarou um desafio, difícil de fazer um ajuste econômico logo na sua posse. E penso que conseguimos trazer o país para uma situação muito melhor. Insisto que nada teria acontecido sem o apoio muito determinado do presidente, que é uma pessoa racional para olhar as questões fundamentais do país e toma decisões muito claras quando é preciso fazer um esforço de longo prazo, às vezes não no tempo que a política exige, mas no tempo que a situação permite.¿

¿E penso, portanto, que temos como desafio neste e nos próximos anos continuar o trabalho, continuar fazendo as reformas microeconômicas, completar o trabalho que começou com a Lei de Falência, que já está interferindo positivamente no crédito do país. O conjunto de reformas precisa continuar.¿

¿Agora é verdade, queria concluir, que a política está cobrando seu preço. Nesse momento, há um recrudescimento do quadro político de maneira muito preocupante. Não penso que vá prejudicar a economia. Como assistimos nos últimos anos, mesmo nos momentos de tensão política que ocorreram ano passado não tivemos desarranjos no processo econômico. Infelizmente, penso que nesse momento as forças políticas se encontram num processo de conflito extremamente negativo para o país.¿

¿Sou político, não me recuso a fazer o debate político, não me recuso de debater as coisas que me envolvem, como fiz quatro vezes indo ao Congresso, três vezes no fim do ano passado e uma vez este ano. Tenho toda disposição de dar todos os esclarecimentos, mas penso que as coisas que fazem parte do natural num ano político às vezes chegam a um nível de exacerbação além do razoável. Algumas pessoas, não atribuo isso a partidos, não têm limites, não vêem limites entre investigar o que é justo e perseguir. Não vêem limites entre crítica e respeito às pessoas. Esta é uma questão presente no atual momento de conflito político do Brasil, e que vamos ter de ter serenidade para atravessá-lo. Senão, corremos o risco de uma eleição muito agressiva no Brasil, que vai acabar agredindo o eleitor, em vez de oferecer a oportunidade de debater democraticamente programas para melhorar o país, o que todos nós queremos.¿

¿Esta semana muitos jornais me criticaram porque me afastei da imprensa, não quis falar com os colegas jornalistas. Quero que vocês compreendam, porque não posso, como ministro da Fazenda, debater todo tipo de acusação baixa e ofensas apresentadas no jogo politiqueiro, eu não posso. Aí, sim comprometeria a condução da economia.¿

¿Sempre que essas coisas acontecem, vocês até fizeram um ranking, eu me silenciei um pouco, fiquei um pouco longe, mas não deixo de cumprir meus compromissos. Trabalhei a semana toda, vim cumprir meu compromisso aqui com toda a felicidade, mas não posso fazer do Ministério um debate desses temas que estão sendo colocados.¿

¿Neste período de crise, houve erros de todos os lados. Não sou dos que acham que só a oposição está errada. O governo cometeu erros, meu partido cometeu erros, eu certamente cometi erros. Todos temos de pagar pelos erros que cometemos. Mas não se pode transformar o debate político numa crise sem fim, numa crítica desenfreada, numa agressão a vidas pessoais. Quando chega nisso, eu me afasto. Não sei se é certo ou errado, o que sei é que não vou envolver o ministério numa situação como essa.¿

¿Vou fazer isso sempre que a discussão resvalar para um plano que desrespeita a instituição, as pessoas, o trabalho de cada um. Digo isso inclusive em relação a alguns colegas jornalistas. Não penso isso no geral, penso que a imprensa é dinâmica, é democrática, faz bem ao Brasil, mesmo quando ela briga conosco, a gente tem de ter sangue frio. Isso faz bem para o Brasil, mesmo nos piores momentos de crítica ao governo temos de ter clareza de que mais vale uma imprensa aberta do que calada, sem poder expressar críticas. Agora, alguns colegas precisam prestar atenção ao que publicam, porque fazem prejulgamentos, ofendem pessoas, famílias. Precisamos ter muito equilíbrio e serenidade, porque o Brasil não merece um procedimento como este.¿

¿Por isso, queria dizer que foi uma satisfação ter vindo aqui hoje e trazer essa certeza fundamental. Este ano pode ser que a política caminhe para um debate mais aguerrido ou pode ser que o processo político seja mais ameno. Para trabalhar, sou sempre do lado dos bombeiros. E vou trabalhar por um processo equilibrado de debate econômico e político. Não me parece que isso esteja garantido, que seja a maior possibilidade. O que o cenário aponta de fato é de um ano de muito conflito político.¿

¿Mas queria dizer de uma maneira muito segura que o fundamental do nosso trabalho, os instrumentos e o apoio do presidente às políticas adotadas, está totalmente assegurado neste ano. O presidente não falou um nem duas, mas diversas vezes que não comprometerá a estabilidade em função de votos, não comprometerá o orçamento em função de agradar qualquer setor.¿

¿Nossa equipe do Ministério da Fazenda está absolutamente preparada para passar esse período para segurar as coisas fundamentais na economia. Todos os setores que temos foram preparados, organizados, com pessoas com qualificação técnica. Sempre tenho dito que a equipe do ministério é boa porque só tem um médico, os outros são todos profissionais da área, que estão dando conta de sua tarefa de maneira muito determinada. E vão continuar dando conta mesmo num ano que politicamente possa ser difícil. Queria assegurar essa questão. Porque muitas vezes vocês que são empresários, que lidam com investimentos, surge a dúvida, a preocupação.¿

¿Sou bastante otimista, seguro, que neste ano, mesmo com a política conturbada, a economia vai caminhar bem. Isso é dado pela solidez dos fundamentos e pelo trabalho nos últimos anos, não só pelo nosso governo, mas também de outros governos, por esforços de muitos anos de dedicação ao equilíbrio das instituições econômicas no Brasil.¿

¿Não podemos deixar perder essa possibilidade. Não podemos deixar o país resvalar para um caminho de crise política interminável. Precisamos atuar como agentes para que se encontre sempre o caminho do diálogo, do equilíbrio, e que o país não perca tantas oportunidades.¿

¿Por mais que, pessoalmente, enfrente um período de turbulências pessoais, vou buscar a serenidade para solucionar isso, não vou misturar isso com meu trabalho, não esperem de mim envolver o ministério neste debate. Minha equipe está 24 horas trabalhando, mas quero dizer que fiquem muito tranqüilos, muitos seguros, que não só nosso trabalho mas também o presidente Lula estão vigiando o processo econômico.¿

¿Não estou interessado em candidaturas.¿

¿Acima de nós estão as instituições, e acima dos nosso interesses partidários ou setoriais, está o Brasil, que tem tudo para ser uma das nações mais fortes do mundo.¿