Título: Cai o homem forte da economia. E agora, Lula?
Autor: Cristiane Jungblut, Luiza Damé e Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 28/03/2006, O País, p. 3
Guido Mantega deixa o BNDES para assumir a Fazenda
Novo ministro diz que não muda a política econômica
Desafio será resistir a pressões em ano eleitoral
Ministro mais forte do governo Lula e principal fiador da política econômica nos últimos três anos, Antonio Palocci não resistiu a 13 dias de tiroteio ininterrupto que se seguiram ao depoimento e à quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Foi demitido ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele será substituído por Guido Mantega, que deixa a presidência do BNDES e que assegurou, na primeira entrevista, que nada muda na política econômica. Mas num ano eleitoral e sem a presença de Palocci, o maior defensor da austeridade fiscal e do regime de metas de inflação e de superávit primário, o governo pode ficar mais vulnerável a pressões por mudanças.
A saída de Palocci foi decidida ainda de manhã, quando Lula tomou conhecimento de que o presidente da Caixa, Jorge Mattoso confirmaria, em depoimento na PF, o envolvimento direto do ministro da Fazenda na quebra ilegal do sigilo do caseiro.
A crise ainda levou à demissão de Mattoso, que disse à Polícia Federal ter entregue a Palocci cópia do extrato do caseiro. Depois de dias hesitando, Lula concluiu que não era mais possível manter o ministro no governo e que a punição deveria ser exemplar. Ele se sentiu traído por Palocci, que até o último momento insistia em dizer que não tinha nada a ver com a quebra do sigilo. Na conversa final, num misto de irritação e perplexidade, o presidente disse ao ministro da Fazenda:
¿ Mas diante de todas as circunstâncias você não tem como continuar no governo.
Apesar disso, a demissão de Palocci vai circular hoje no Diário Oficial ¿a pedido¿.
Ontem à tarde, ao voltar de Curitiba (PR), Lula se manteve em reunião de emergência com os ministros da coordenação de governo para tentar solucionar a crise. O presidente, segundo interlocutores, mostrou-se decepcionado com o envolvimento do Ministério da Fazenda no caso. A definição de Lula pela demissão do amigo veio com as informações de Mattoso. O ex-presidente da CEF, que entregou às 9h seu pedido de demissão, também conversou com Lula.
¿Lula ficou surpreso de como a coisa foi feita¿
O presidente, que ainda não declarou que vai disputar a reeleição mas se comporta como candidato, já havia perdido no ano passado outro homem forte do governo, José Dirceu, no rastro das denúncias da existência do mensalão. Agora, além de perder seu homem de confiança na economia, perde também aquele que seria um dos coordenadores de sua campanha à reeleição.
¿ O presidente ficou muito chateado, não imaginava isso. Ficou surpreso de como a coisa foi feita ¿ disse um interlocutor.
A mais grave crise do governo começou dia 14, quando o caseiro Francenildo, em entrevista ao jornal ¿O Estado de S.Paulo¿, disse que Palocci freqüentava uma casa de lobby em Brasília juntamente com ex-assessores da época em que foi prefeito de Ribeirão Preto e com quem garantia não ter mais contato. Palocci sempre negara ter estado na casa, mas o caso ganhou contornos de escândalo depois que, dia 16, o sigilo bancário de Francenildo foi ilegalmente quebrado.
¿ Não podemos ficar apanhando. Temos que resolver isso ¿ disse o presidente, segundo ministros.
O presidente teve a última conversa com Palocci às 17h. Ainda ministro, ele se reuniu com Lula no Planalto, onde depois entregou formalmente a carta explicando as razões da saída. Sua assessoria ainda tentou preservá-lo uma última vez, pondo em nota do Ministério da Fazenda que se tratava de um ¿afastamento¿ ¿ o que gerou especulações de que o ministro iria apenas se licenciar.
Mas assessores já garantiam, a essa altura, que a decisão sempre foi demissão.
Coube ao líder do governo no Senado (e cotado para o cargo), Aloizio Mercadante (PT-SP), anunciar no Congresso a demissão.
¿ O ministro Palocci, ao encaminhar seu pedido de demissão, demonstra espírito público e reconhecimento pelo erro que foi cometido. O governo errou e o erro é reconhecido. O afastamento dos responsáveis é exatamente o reconhecimento disso. O presidente aceitou o pedido de demissão do ministro Palocci ¿ disse Mercadante, anunciando a nomeação de Mantega.
Na primeira entrevista como ministro indicado, Guido Mantega garantiu que a política econômica não vai sofrer alterações.
¿ A política econômica não mudará.
¿O estado de direito não foi respeitado¿, diz líder
No Palácio do Planalto, havia a preocupação de deixar claro que Palocci não estava saindo devido a problemas na gestão à frente da economia, e sim por causa da quebra ilegal do sigilo do caseiro. O próprio Mercadante, ao anunciar as mudanças, disse:
¿ Na medida que o estado de direito não foi respeitado nesse episódio do sigilo do caseiro, o presidente imediatamente mudou sua equipe ¿ disse Mercadante.
Só depois de Mercadante confirmar as alterações o porta-voz da Presidência, André Singer, fez o anúncio oficial. Ao lado de Singer, Mantega evitou julgar Palocci.
¿ Não vou entrar no julgamento (de Palocci). O governo não permitiu nada. Cada um é responsável por seus atos. Caberá a ele elucidar. Vão ser instaurados os devidos inquéritos. Se houve alguma violação do direito constitucional, será apurado.
Lula chegou no início da tarde no Planalto e, desde então, se manteve reunido com os ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Dilma Rousseff (Casa Civil), Jaques Wagner (Relações Institucionais), entre outros. Nas conversas internas, Bastos era o que mais defendia a necessidade de se tomar uma decisão rápida para debelar a crise, mas Lula relutou até ontem.
Decidida a demissão, Lula então teve uma conversa definitiva com Mantega e com Mercadante, para acertar o discurso.