Título: Democratização de uns é o prejuízo de outros
Autor:
Fonte: O Globo, 01/04/2006, Prosa & Verso, p. 2

Livro sob medida e `download¿ de trechos de obras seriam soluções para briga de editoras e instituições de ensino

Até 2003, a ABDR autorizava algumas copiadoras a fazerem xerox, desde que parte dos lucros fosse repassada às editoras, como ocorre em vários países. Mas os pagamentos não eram feitos, diz a associação. Em 2004, as editoras resolveram mudar de política e começaram a pedir ações de busca e apreensão de cópias em instituições do Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais. Em 2005, os pedidos se intensificaram e foram realizadas 256 ações policiais ou judiciais. Universidades como USP e PUC-SP resolveram comprar a briga e, após debates internos, mantiveram a autorização para que seus alunos e professores usassem xerox.

Lei autoriza cópia de um pequeno trecho

Ambos os lados se dizem amparados na lei. Mas um dos problemas nessa discussão complexa é justamente a falta de clareza da legislação brasileira sobre o assunto. A cópia integral de livros para uso pessoal, sem fins comerciais, era permitida até 1998, quanto entrou em vigor a nova lei de direitos autorais, que permite apenas a reprodução ¿em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro¿. Mas não há definição do que seja um pequeno trecho. Naturalmente, estudantes e editoras divergem na interpretação.

¿ É um fragmento da obra que não contempla sua substância, suas idéias centrais. A definição do pequeno trecho não pode ser ligada a um critério matemático, é necessária a análise caso a caso ¿ diz o advogado Dalton Honorato, consultor jurídico da ABDR.

Gabriel Sidi, presidente do diretório acadêmico de administração e economia do Instituto Mackenzie, discorda:

¿ Como dizer o que é importante e o que não é? Se a essência de um livro está em duas folhas, então posso copiar todas as outras? Temos considerado, por bom senso, que pequeno trecho é até 10%.

O secretário executivo do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, Márcio Gonçalves, diz que em 2005 o órgão tentou intermediar um acordo entre universidades e editoras. Mas, segundo ele, a ABDR desistiu das negociações.

¿ Eles preferiram que o Judiciário desse uma resposta a essa questão ¿ diz. ¿ Enquanto não houver uma regulamentação, o conselho não pode tratar como criminoso ninguém que faça cópia parcial de livro. A reprodução integral, sim, é pirataria. Quanto aos outros casos, temos que esperar uma definição.

Já o gerente interino de Direito Autoral do MinC, Marcos Alves de Souza, faz elogios à mobilização dos estudantes pelo direito à cópia.

¿ A base de qualquer legislação de propriedade intelectual é o equilíbrio entre os direitos conferidos pelas leis que protegem o autor e sua obra e os direitos dos membros da sociedade de terem acesso à cultura. Neste sentido, o MinC vê com muito bons olhos a iniciativa dos estudantes ¿ afirma. ¿ Somente com o engajamento da sociedade civil pode-se almejar alcançar o equilíbrio mencionado, e o movimento vem suprir esta lacuna existente nas relações entre os titulares dos direitos de autor e de direitos conexos e os usuários de suas obras. O MinC planeja realizar este ano uma série de encontros com os integrantes deste movimento para esclarecer eventuais dúvidas e auxiliá-los a alcançar êxito em suas propostas.

A divergência entre editores e estudantes vai além de questões de percentagem. Para os universitários, a cópia é uma maneira de democratizar o acesso à informação, ainda mais num país pobre como o Brasil. Já os editores afirmam que a fotocópia desrespeita direitos autorais, prejudica o mercado e contribui para encarecer os livros.

¿ Quem faz a defesa da cópia tem a mesma mentalidade extrativista dos primeiros anos de colonização brasileira. É tudo pensado de forma imediatista. A cópia onera todos envolvidos na produção de um livro. Com isso, as tiragens ficam menores e os livros mais caros. Os estudantes deveriam lutar por mais dinheiro para as bibliotecas ¿ diz Jaime Mendes, gerente comercial da Jorge Zahar.

Ampliação de bibliotecas não resolveria a questão

Mas o diretor do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da USP, Adriano Pereira de Almeida, argumenta que a ampliação das bibliotecas ainda não resolveria a questão:

¿ Temos 2.300 alunos na faculdade. Há livros usados por estudantes do primeiro ao quinto períodos. A faculdade pode ter dez, quinze exemplares, que não vai adiantar.

Quanto a isso, pelo menos, parece haver um consenso. As editoras já não se limitam a propor a doação ou a venda de livros com desconto como solução única. Estudam outras medidas, como a venda de livros feitos sob encomenda dos professores, reunindo capítulos de obras diferentes, e a criação de um site onde seja possível fazer o download de trechos de livros, pagando por página.

Para George Kornis, do Grupo de Pesquisa em Economia do Entretenimento da UFRJ, há um descompasso entre o preço dos livros e a renda do brasileiro:

¿ A renda média brasileira vem caindo, e a da classe média mais ainda. Supondo que o grosso dos universitários sejam ou cotistas pobres, ou parte dessa classe média empobrecida, o problema não é se o livro está caro ou barato, mas se está compatível com a renda das pessoas. Tenho alunos que faltam à aula porque não têm dinheiro para o transporte. Como esperar que paguem mais de R$50 por um livro, ou até mil reais por um manual de medicina?