Título: EX-DITADOR AFRICANO É JULGADO POR ATROCIDADES
Autor:
Fonte: O Globo, 04/04/2006, O Mundo, p. 27

Tribunal em Serra Leoa acusa Charles Taylor, da Libéria, de fomentar guerra civil que matou 50 mil pessoas

Nigéria

FREETOWN, Serra Leoa

Ladeado não por seus soldados ¿ que durante uma década e meia espalharam o terror em seu país ¿ mas por capacetes azuis da ONU que o vigiavam, o ex-presidente Charles Taylor, da Libéria, sentou-se ontem no banco dos réus para responder por 11 acusações de crimes de guerra e contra a Humanidade. No primeiro julgamento de um ex-líder africano por atrocidades cometidas sob sua responsabilidade, Taylor declarou-se inocente após desdenhar o tribunal estabelecido em Serra Leoa com apoio da ONU para julgá-lo.

Rosto impassível, ar por vezes desafiador, Taylor, de 58 anos, foi capturado na quarta-feira passada na vizinha Nigéria ¿ onde fora forçado a se exilar em 2003 como parte do acordo de paz na Libéria ¿ quando tentava escapar para os Camarões. Dias antes ele deixara o mundo suspeitando do governo nigeriano ao desaparecer de sua casa na cidade de Calabar, onde era mantido sob vigilância. Extraditado para seu país, foi imediatamente mandado a Serra Leoa. Ontem, diante do juiz Richard Lussick, de Samoa, procurou manter a antiga postura dos tempos em que seu nome fazia tremer meia Libéria.

¿ Como 21º presidente da Libéria, eu não reconheço a jurisdição deste tribunal ¿ rebateu ao ser perguntado pela segunda vez se se considerava culpado ou inocente, antes de finalmente indicar a segunda opção.

Presidente da Libéria de 1997 a 2003, Taylor está sendo julgado não por seu papel na guerra civil liberiana, que ele iniciou em 1989 como chefe de um grupo rebelde e deixou um rastro de 250 mil mortos.

Julgamento pode continuar em Haia

As 11 acusações contra ele são pelo apoio que deu à igualmente sangrenta guerra civil na vizinha Serra Leoa enquanto foi presidente, em troca dos diamantes que a Frente Revolucionária Unida (RUF) de Foday Sankoh contrabandeava para seu país. Taylor é acusado, entre outras coisas, de terrorismo, assassinato, estupro, tratamento cruel, escravização e uso de crianças-soldados. A promotoria afirma que ele treinou, armou e financiou a RUF, famosa por sua crueldade no conflito em Serra Leoa, entre 1991 e 2002, que causou 50 mil mortes e deixou milhares de pessoas sem braços, lábios e orelhas, cortados pelos rebeldes. ¿Civis eram fuzilados, queimados em suas casas, retalhados e mortos ao tentarem fugir dos ataques a suas casas ou das casas de seus captores¿, relatava o documento da acusação.

¿ O povo de Serra Leoa esperou muito tempo para ver este homem sendo julgado ¿ declarou o promotor-chefe, Desmond de Silva, que considera Taylor um dos três maiores criminosos de guerra da atualidade, junto com os foragidos sérvios-bósnios Radovan Karadzic e Ratko Mladic.

Para os leoneses que sofreram com a guerra, o sentimento era de júbilo.

¿ Este é um ótimo dia. Estou tão feliz que ele esteja sendo julgado. Ele é um terrorista ¿ celebrou Ali Tullah, de 18 anos.

Entretanto, o julgamento de Taylor levou também tensão a Freetown. Logo após a leitura da acusação, os procedimentos judiciais foram suspensos. Funcionários do tribunal que receberam ameaças de morte e Taylor eram protegidos por vidro à prova de balas. Do lado de fora, dezenas de capacetes azuis irlandeses e mongóis da ONU, além de policiais leoneses, mantinham a segurança.

Os governos de Serra Leoa e Libéria esperam que o restante do julgamento seja realizado no tribunal da ONU, em Haia, na Holanda, por temerem que seguidores do ex-presidente cumpram a ameaça de iniciar novos conflitos se ele fosse julgado. O Conselho de Segurança da ONU está avaliando o pedido de transferência.