Título: A PENEIRA DO PT
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 05/04/2006, O País, p. 4

O Partido dos Trabalhadores se meteu em uma enrascada com a apresentação de seu relatório alternativo ao do relator da CPMI dos Correios, deputado Osmar Serraglio. Mesmo que consiga derrotar o relatório oficial, o que não é certo, a situação não parece ter votos para aprovar o seu relatório, o que fará com que a CPMI seja encerrada sem um resultado oficial. O PT será, portanto, responsabilizado pelo fracasso da CPMI, e não conseguirá apagar da memória da opinião pública as conclusões do relatório oficial, já amplamente divulgado, elogiado por suas conclusões objetivas e seu equilíbrio. O relatório petista tenta, portanto, esconder o sol com uma peneira.

Mais que isso: o PT cairá no ridículo diante de algumas afirmações de sua versão de relatório, especialmente quando se coloca de vítima diante da "sedução" do lobista Marcos Valério que, pela descrição petista, era "um arquiteto de sofisticadas operações financeiras de distribuição de dinheiro a parlamentares".

No afã de justificar seus erros com os cometidos por outros partidos anteriormente, o relatório petista diz que o publicitário seduziu o Partido dos Trabalhadores "com um mecanismo para arrecadar fundos, cuja gênese - como comprovaram as investigações - se deu nas campanhas políticas desde 1997, mas se explicita com todas as suas características na campanha eleitoral de 1998 para o governo do estado de Minas Gerais, na qual saiu derrotado o hoje Senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG)."

Por essa versão, que mais parece um conto da carochinha, o valerioduto foi a verdadeira "herança maldita" do PT que, em sua pureza virginal, foi seduzido pelo lobista mineiro que ensinara os caminhos da corrupção aos representantes das elites conservadoras. O pobre partido, impotente diante de tal poder de sedução, entregou-se ao gigolô, e viu desfazer-se sua pureza, até então intocada.

No mesmo dia em que essa versão rósea do que seria uma corrupção institucionalizada pelos conservadores era apresentada pelo PT, na CPI dos Bingos ocorria a acareação entre o ex-militante do PT Paulo de Tarso Venceslau e o amigo do presidente Lula Paulo Okamotto. Foram passadas em revista todas as manobras e artimanhas de que o PT já se utilizava nos anos 90 para financiar suas campanhas eleitorais, com a contratação superfaturada de empreiteiras e prestadoras de serviços em vários municípios.

O mesmo esquema que, como foi denunciado, ocorreu até recentemente em Ribeirão Preto e em outros municípios dirigidos por petistas. O mesmo esquema que, de acordo com o Ministério Público, é o responsável pelo assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André.

Não satisfeito em tentar transformar suas ilicitudes em mera continuidade do que "se faz aqui habitualmente", o relatório petista afirma textualmente que "não houve pagamentos para obter aprovação de projetos de interesse do governo, mas o repasse - ilegal, repita-se - para partidos". Com isso, quer descaracterizar a existência do mensalão, que o relatório oficial de Serraglio havia definido claramente como "uma realidade".

O relator oficial ainda se deu ao trabalho de explicar que "a expressão, obviamente, para além da estreiteza conceitual, tem caráter midiático, comunicacional. Concentra, em uma só palavra, ressoante, a idéia de uma prática ilícita de cooptação política, contrária ao interesse público, financiada com dinheiro escuso de cofres públicos e privados. Sintetiza a degradação de um escambo imoral de favores, que teve membros importantes da classe política como protagonistas".

Pois o PT acha que pode se colocar contra as evidências, afirmando que o "fantasioso mensalão" não passou de caixa dois. Ao centrar seu objetivo na tentativa de apagar da história recente a existência do "mensalão", o PT demonstra mais uma vez que não tem apreço pela coerência. Seus membros na CPI dos Correios aprovaram um documento onde a existência do "mensalão" não era contestada, simplesmente para tentar transferir as investigações para a CPMI específica do Mensalão, onde tinha a maioria.

O relator Osmar Serraglio teve tanto cuidado com a situação do presidente Lula que, ao se referir a ele, usou ma linguagem rebuscada para dizer que não tinha condições de afirmar se o presidente tinha "sabença" dos acontecimentos. Essa boa vontade da oposição com o presidente não foi levada em conta pela situação, que agora quer ainda retirar do relatório qualquer referência aos ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken e ao ex-presidente do PT José Genoino.

Além do mais, reafirmando o caixa dois para negar o "mensalão", o PT abre seu flanco para um enquadramento do próprio presidente Lula em uma fiscalização sobre o uso de caixa dois nas campanhas eleitorais. Em várias ocasiões, a mais famosa delas o depoimento do marqueteiro Duda Mendonça, que admitiu ter recebido R$10 milhões em uma conta num paraíso fiscal a mando de Marcos Valério, o uso de caixa 2 na campanha petista de 2002 apareceu nos depoimentos.

O ex-ministro Mauro Durante escreve para lembrar que quem demitiu rapidamente o ministro da Fazenda Rubens Ricupero, e nomeou em seu lugar o então governador Ciro Gomes, desfazendo a crise política da parabólica na campanha presidencial de 1994, foi o presidente Itamar Franco, e não o então candidato Fernando Henrique Cardoso, como dei a entender em recente coluna.

Outro leitor lembra que Itamar também demitiu seu amigo Henrique Hargreaves, chefe do Gabinete Civil. Fica registrada essa característica de Itamar Franco, que nunca me pareceu relevante em sua maneira de agir na Presidência da República