Título: PT não vota relatório e vai recorrer ao Senado
Autor: Adriana Vasconcelos e Maria Lima
Fonte: O Globo, 06/04/2006, O País, p. 5

Senador petista conduziu a aprovação sem direito à apreciação de destaque; partido quer anular a votação

BRASÍLIA. Depois de passar a última semana tentando derrubar o relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), o PT e o governo foram surpreendidos com uma votação meteórica comandada pelo presidente da CPI dos Correios, Senador Delcídio Amaral (PT-MS), que garantiu a aprovação do texto, sem direito a apreciação de qualquer destaque. O partido, inconformado, não votou e decidiu recorrer à Mesa do Senado.

Como a sessão do Senado já havia sido encerrada, o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) protocolou o recurso contra a votação da CPI na Mesa da Câmara. Mas caberá ao presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), analisar a questão.

Cardozo propõe a anulação da votação do relatório de Serraglio, aprovado com 17 votos a favor e quatro contra, e solicita uma nova reunião. Argumenta que teriam sido desobedecidas todas as normas regimentais no processo de votação. Relata que durante o prazo de vistas concedido pelo presidente da CPI para que o relatório fosse analisado por todos os membros da comissão, foram apresentados 37 votos em separado, só que na sessão de ontem Delcídio não teria dado oportunidade para que os destaques e sugestões de alteração do texto fossem discutidos e apreciados.

Bittar: ¿Fiquei nervoso, chamei ele de Judas¿

Após a barulhenta e polêmica votação, os petistas marcharam em bloco para o gabinete do líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).

¿ Ninguém tem poder para descumprir o regimento e o Delcídio errou como presidente da CPI ¿ disse Mercadante.

A líder do PT, senadora Ideli Salvatti (SC), citou pelo menos três CPIs em que a votação de destaques foi respeitada: a da Terra, a da Violência e Exploração Sexual de Crianças e a do Orçamento. Ela não poupou Delcídio de críticas e admitiu que a atitude do senador petista poderá ser avaliada pelo partido.

¿ O comportamento de Delcídio foi autoritário, anti-regimental e incompatível com a presidência de uma CPI.

O deputado Jorge Bittar (PT-RJ) discutiu com Delcídio na sessão, com palavrões.

¿ Fiquei nervoso, chamei ele de Judas ¿ admitiu Bittar.

Pouco antes do início da sessão de votação do relatório de Serraglio, Delcídio e Mercadante tiveram um diálogo pelo telefone aos berros.

Até o último minuto governo e oposição cumpriram um script previamente acertado: buscariam acordo para votar um texto único na CPI. Mas os dois lados sabiam que a distância entre o relatório de Serraglio e o texto alternativo do PT era abissal e não haveria entendimento. A oposição, certa da maioria, queria fugir da acusação de radicalização e quis mostrar à opinião pública disposição de negociar. O governo, na esperança de virar o jogo, ganhou tempo para negociar a mudança de votos. No meio, Serraglio pretendia fazer algum ajuste para evitar o embate político.

Quando viram que o texto poderia ser desfigurado, Eduardo Paes (PSDB-RJ) e Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) abandonaram a reunião. Voltaram com o líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ), que ajudou a enterrar o acordo. Delcídio a quase foi às vias de fato com Rodrigo.

¿ Vocês querem fazer anarquia! Vou ligar para o Renan e avisar que vocês não cumpriram o que foi acordado quando já chegávamos ao entendimento! ¿ protestou Delcídio.

¿ Então você está dizendo que o texto do Serraglio é anarquista? ¿ respondeu Rodrigo.

¿ Você é que está dizendo que o relator é anarquista! ¿ gritou Delcidio, que foi contido pelos presentes.

Cardozo disse que tudo caminhava bem até que Rodrigo Maia chegou e melou o acordo:

¿ Estavam estuprando o nosso carequinha (Serraglio). Entramos para explodir mesmo ¿ admitiu Eduardo Paes.

Não é a primeira vez que o PT fica fora de uma votação importante. Na votação da redação final da Constituinte, em 1988, o PT votou contra. E só assinou a nova Carta após discussão no diretório nacional. A justificativa era a de que o texto mantinha ¿a essência do poder, a essência da propriedade privada, a essência do poder dos militares¿, como anunciou o então líder do partido, deputado Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso.