Título: EM BUSCA DO FUTURO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 09/04/2006, O País, p. 4

Não foi por acaso, e nem sem angústia, que os economistas Fábio Giambiagi e Armando Castelar Pinheiro escolheram o ano eleitoral para lançar o livro ¿Rompendo o marasmo - retomando o desenvolvimento no Brasil¿, da editora Campus. Na definição de Giambiagi, o descompasso entre a realidade e os sonhos em épocas eleitorais ¿é algo angustiante¿.

No texto que escrevi na quarta capa do livro, a convite dos autores, e que recupero aqui mais extensamente, digo que eles não se propõem a inventar a roda, mas a tratar de questões fundamentais para o futuro do país de maneira direta e acessível, para ganhar a adesão dos leitores a um projeto de desenvolvimento de longo prazo. O que devemos fazer para que o país seja melhor dentro de dez, 15 anos?

A agenda de reformas passou pelos oito anos do tucanato e entrou na era Lula sem grandes alterações, o que representou um avanço institucional imprevisto e benfazejo, mas continua inconclusa e, pior que isso, muito desigual. A certa altura do livro os autores afirmam que o Estado brasileiro passou por um processo de transição de modelos que ¿foi longe demais em certas áreas e ficou atrofiada em outras, resultando em um Estado desbalanceado e que faz muito menos do que poderia fazer pelo desenvolvimento do país¿.

Um bom exemplo é a abertura da economia, que os autores defendem como uma das premissas para nosso desenvolvimento. No início desse processo, éramos a terceira economia mais fechada do mundo, e hoje, depois de muitas reformas feitas e muitas outras por fazer, continuamos mais ou menos no mesmo lugar. Abrimos nossa economia, mas os outros abriram muito mais.

O debate não poderia ser mais atual: como superar o ¿trilema¿ da atuação estatal, que contrapõe a estabilidade macroeconômica ao tamanho do gasto público e à qualidade desse gasto, para que seja possível fazer tanto as políticas compensatórias para os mais carentes quanto realizar os investimentos públicos, especialmente em saúde e educação, que no futuro tornarão dispensáveis essas mesmas políticas compensatórias?

A capacidade de planejamento de longo prazo, recuperada com a implantação do Plano Real, ainda depende de muitas coisas, desde como vai se definir o sistema regulatório, até quais são as regras do jogo para os investimentos produtivos. A necessidade de darmos segurança jurídica aos nossos investidores é um dos pontos fundamentais para alcançarmos um desenvolvimento sustentado de longo prazo.

Há 20 anos, desde a redemocratização, passando pela Constituinte de 1988 do século passado, o Brasil vive o dilema de tentar saldar sua ¿dívida social¿ com políticas compensatórias, sem que seus políticos se convençam, e consigam convencer a opinião pública, de que o país precisa de uma agenda mais focada no desenvolvimento de longo prazo, na certeza de que os governos podem melhorar a vida das pessoas se melhorarem a qualidade dos gastos públicos.

Na Previdência Social, então, o divórcio entre a realidade e a percepção da realidade é absoluto, lamenta Fábio Giambiagi. A angústia é que o país marcha rumo a uma campanha eleitoral onde provavelmente não haverá espaços nos palanques para discutir muito a fundo o tipo de agenda que se defende no livro, que tem propostas anti-eleitorais como o estabelecimento de uma idade mínima de aposentadoria para todos os brasileiros, crescente no tempo conforme aumente a expectativa de vida.

Buscar um modelo de Estado que substitua o assistencialismo pelo empreendedorismo e pelo respeito às normas legais, esse seria um bom resumo das propostas apresentadas no livro. Os números são bem eloqüentes: o Brasil cresceu em média 6% ao ano entre 1930 e 1980 e triplicou nesse período sua participação no PIB mundial. Entre 1981 e 2005, no entanto, a economia brasileira perdeu seu dinamismo, expandindo-se em média apenas 2,1% ao ano. A conseqüência foi que, nesse quarto de século, a economia brasileira encolheu de 3,9% do PIB mundial para 2,7%.

Os países precisam correr mais que seus concorrentes na competição internacional. Para competir, o sistema educacional é fundamental. Por isso o livro tem um capítulo dedicado ao assunto, escrito pelos economistas Sérgio Guimarães Ferreira e Fernando Veloso, do Ibmec, que fazem uma análise sombria de nossa situação e sugerem medidas concretas. O quadro da evolução da escolaridade média da população com 15 anos ou mais de idade no Brasil entre 1960 e 2000, mostra bem nossas deficiências.

Entre 1980 e 2000, houve um aumento expressivo da escolaridade média, que se elevou de 3,1 para 4,9 anos de estudo. No entanto, países de renda per capita similar à brasileira também experimentaram significativos aumentos de escolaridade, de forma que a diferença entre o Brasil e esses países se elevou ao longo do período.

Em 1960, os brasileiros tinham um nível de escolaridade um pouco maior que o dos mexicanos, mas, em 2000, estes tinham 2,3 anos de estudo a mais do que nós. A Índia também teve um crescimento expressivo do seu nível educacional. Em 1960, a sua escolaridade média era inferior à do Brasil em 1,2 ano de estudo, enquanto em 2000 ela já era um pouco superior à brasileira.

Enquanto em 1960 a Coréia do Sul tinha uma escolaridade média superior à do Brasil em 1,4 anos de estudo, em 2000 essa diferença havia se elevado para quase seis anos. Mesmo que o Brasil mantenha o forte ritmo de expansão educacional da década de 1990, levaremos quase sete décadas para atingir a escolaridade média atual da Coréia.