Título: O VELHO E O NOVO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 16/04/2006, O PAÍS, p. 4

Discutir a implantação de um novo sistema de orçamento público, que privilegie o atingimento de metas de gestão com qualidade e baixo custo, num país que não conseguiu ainda nem mesmo aprovar seu velho Orçamento para o ano que já entra em seu quinto mês, parece mesmo uma utopia irrealizável. Ainda mais quando o governo federal se utiliza ilegalmente de medidas provisórias para liberar o Orçamento, e retira as barreiras que o impediam teoricamente de aumentar os gastos e os impostos, sem que seja possível nenhum controle por parte do Legislativo. Para se chegar a um orçamento que privilegie qualidade de gestão é necessária ampla reforma na legislação, que será estudada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em projeto conjunto da Bovespa, Fiesp e Iedi.

Na análise do grupo da Bovespa que viajou à Oceania para estudar a nova maneira de gestão pública de que países como Austrália e Nova Zelândia são pioneiros, desde os anos 80, ao contrário do que acontecia naqueles países, no Brasil, para coibir a corrupção e os desvios, a legislação sobre a máquina pública se tornou ainda mais rígida, acabando por criar novos obstáculos à atuação mais criativa dos gestores públicos. O resultado é que experiências inovadoras acabam sendo limitadas graças ao arcabouço institucional muito burocrático, e à mentalidade vigente que só exige o cumprimento estrito da legislação, não se importando com os resultados. Assim, para evitar que o controle dos gastos públicos, necessário para estabilidade macroeconômica, deixe de exigir simples cortes lineares no Orçamento, especialmente nos investimentos, como tem sido há mais de dez anos, é preciso que sejam introduzidas mudanças gerenciais para aumentar a eficiência do gasto, de maneira que não provoque uma piora nas condições dos serviços prestados à população. A Lei de Responsabilidade Fiscal, um avanço fundamental no equilíbrio das contas públicas, prevê a criação de um Conselho de Gestão Fiscal que nunca foi regulamentado. O economista José Roberto Afonso, principal formulador da LRF, diz que ela, nos seus princípios maiores, foi inspirada na Nova Zelândia. Ele acha que o que falta é completar a implantação da lei, aprofundar a nova cultura, inclusive na linha gerencial sugerida pelo grupo. A nossa LRF prevê, por exemplo, limites para dívida federal, e Congresso e Senado sequer iniciaram a votação. E também está prevista contabilidade de custo, que permitiria quantificar quanto custa cada aluno de cada universidade federal, por exemplo, mas nada foi feito Outra mudança legal necessária é a criação de contratos de gestão em que todos os gestores públicos responsáveis por gastos fixem metas de performance. A fiscalização do cumprimento dessas metas ficaria por conta de um tipo de agência reguladora sem poder punitivo, mas com capacidade de apontar eventuais falhas. Mas é preciso também, segundo o estudo da Bovespa, que os gestores públicos sejam responsabilizados civilmente se não cumprirem seus contratos sem justificativa aceitável. Hoje, há uma burocracia pouco motivada e apegada a simples formalidades legais. É preciso criar um ambiente em que a inovação e os resultados sejam premiados. Segundo um estudo da OCDE, nas sociedades modernas existe a necessidade de incentivos de desempenho mais explícitos do que os fornecidos pela burocracia tradicional. Daí a importância das avaliações de desempenho. Elas ajudam a gerir e a controlar os serviços públicos, além de permitir que o governo cumpra seus deveres de divulgar publicamente e se responsabilizar por suas ações. Essa discussão, de maneira fragmentada, já ocorre em alguns setores do governo com uma visão mais moderna da administração. Por exemplo, a discussão sobre a desvinculação das verbas orçamentárias pode ter um alcance muito maior do que se imagina. Na verdade, o que se está discutindo é a organização do Estado, suas instituições e políticas fiscais. Formalmente, a idéia de acabar com as vinculações, reintroduzidas na Constituição em 88, tem o objetivo de dar maior agilidade à política econômica. Mas a medida vem gerando uma reação crescente, sobretudo de setores sociais que têm verbas garantidas constitucionalmente para a saúde e educação, por exemplo. Com relação à Saúde, falta há anos uma Lei Complementar, que deveria ser revista a cada cinco anos, exatamente para calibrar a verba com as necessidades. A tentativa é provar que saúde e educação não precisam de tanta verba quanto as vinculações garantem, mas sim de gestão, previsão orçamentária e relatórios com base em desempenho, medidas adotadas pelos países desenvolvidos para tornar o Estado mais eficiente. Para transformar esses objetivos em realidade, os países da OCDE têm seguido dois caminhos. 1. Alguns governos priorizam o controle contábil, com o estabelecimento de metas formais. Nesses casos, os orçamentos são baseados no desempenho, com uma auditoria nos resultados; 2. Outros defendem uma abordagem mais econômica, com a introdução da competição para melhorar a eficiência do Estado. Para isso, estimulam a contratação de serviços privados, como a terceirização. Levantamentos da OCDE mostram que as estratégias dos países desenvolvidos para melhorar o desempenho do Estado combinam planejamento, gestão, auditoria de avaliação e desempenho. Os estudos indicam que metas irreais comprometem essa evolução. Muitos sistemas fracassaram porque simplesmente estipularam metas rígidas demais.