Título: Triste horizonte
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 23/04/2006, O GLOBO, p. 2

A crise e seus espasmos criam estranhas categorias mentais e de julgamento entre nós. Na intolerância e na estreiteza, muito próximas das que eram adotadas pelo velho PT na oposição ¿ cheio de certezas e esbanjando autoconfiança ética. Uma delas é a desqualificação de qualquer busca de nexo entre os delitos que estão na base da crise e as deformidades do sistema político.

Toda análise desta natureza desperta a suspeita de que se busca, com ela, justificar ou minimizar os erros do PT e os crimes de petistas. Antes então de se falar em aspectos sistêmicos é preciso dizer sempre, em tom de ladainha: O PT aparelhou o Estado, montou uma organização criminosa que comandou a corrupção e o mensalão, pilotando um projeto de poder de longo prazo pelo qual violou todos os limites éticos, legais e morais etc.etc.etc.

Isso posto talvez seja possível falar do sistema político, que como diz o senador José Sarney, segue intocado, apesar das mudanças pontuais e limitadas na lei eleitoral que nem sabemos se valerão este ano. O mesmo perigo ronda quem pretende falar do financiamento das campanhas e do caixa dois. Pode parecer afirmação de que o PT fez apenas caixa dois e não algo muito mais grave. Então é preciso deixar claro que não se está querendo misturar farinhas no mesmo saco, como tentam fazer os petistas. O PFL e o PSDB podem defender Roberto Brant, que fez caixa dois mas apenas isso. Foi uma vítima do sistema, de Valério e da Usiminas.

Ressalvas feitas, já se pode lamentar que o caixa dois será amplamente praticado na campanha deste ano, salvo um milagre que transfigure todos os doadores e candidatos. A prestação de contas pela internet no dia 6 de agosto e no dia 6 de setembro, sem revelação dos doadores, é brincadeirinha. O que importa é saber quem doou para sabermos se receberá favores depois. A identificação só após a eleição permitirá ao candidato ocultar e proteger seus benfeitores especiais. Só os trouxas vão aparecer como doadores legais e declarados. E assim será até que venha um dia a reforma para valer.

Já a mistura do sistema partidário que temos com as taxas atuais de agressividade política prometem o pior dos mundos. Na hipótese de eleição do candidato tucano-pefelista Geraldo Alckmin, com quem ele vai governar? Com o PFL e o PSDB, claro. E qual a fração que os dois partidos terão juntos na Câmara? Salvo uma paixonite aguda do eleitorado, no máximo um terço da Câmara. Quando Fernando Henrique foi eleito pela primeira vez em 1994, puxado pelo sucesso do Real, o PSDB elegeu apenas 62 deputados ou 12,1% das cadeiras. O PFL fez 89, ou 17,3% das cadeiras. Juntos, tinham 29,4% da Câmara. Um terço. Para governar, houve balcão, nomeações, dizem que até compra de votos para aprovar a reeleição. Foi preciso tourear o PMDB e alimentar os partidos hoje chamados do mensalão. Mal ou bem FH conseguiu governar e aprovar suas reformas.

Na eleição de 1998, a da reeleição, o PSDB obteve 99 cadeiras (19,2% ) e o PFL, 105 (20,4%). Estavam no governo, o que sempre ajuda. Juntos, ficaram com 204 cadeiras, ou 39,7%. Mas longe ainda da maioria absoluta, metade mais um. No segundo mandato foi ainda mais difícil segurar a maioria, que se desfez a olhos vistos a partir de 2000. No eventual governo Alckmin, a coalizão PFL-PSDB ficará entre seu tamanho de 1994 e o de 1998.

Já Lula, com a votação esplendorosa em 2002, garantiu a seu PT apenas 91 deputados, ou 17% das cadeiras na Câmara. Com a ajuda do PCdoB (12 deputados) e do PSB (22), a coalizão chegou a ter 24,3% das cadeiras. E como Lula havia desautorizado a aliança que Dirceu costurou com o PMDB na formação do governo, ficou refém dos partidos ditos do mensalão.

O presidente Alckmin, sem maioria e fustigado pelo ressentimento petista, talvez não consiga 69 CPIs, como em São Paulo. Já o presidente Lula, se reeleito, pode ter seu encontro com o processo de impeachment. Em torno de um programa, poderiam tentar construir um arremedo de coalizão. Mas esta campanha, pelo visto, não debaterá programas. Só a ética de uns e os crimes de outros.