Título: ILUSÕES IDEOLÓGICAS
Autor:
Fonte: O Globo, 25/04/2006, Opinião, p. 6

Que vantagens trará para o Brasil e seus vizinhos a frente ideológica que, aos poucos mas inexoravelmente, vai formando um arco agourento sobre o continente com a eleição de representantes do velho e rançoso populismo autoritário latino-americano? Para onde levariam a América Latina, se os latino-americanos forem dóceis à sua vontade, baluartes do atraso como Hugo Chávez, da Venezuela; Evo Morales, da Bolívia; e, se a tendência do primeiro turno confirmar-se, Ollanta Humala, do Peru?

Ou, dando cunho mais direto à pergunta: que frutos colherá o Brasil da diplomacia terceiro-mundista perseguida com afinco pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que reserva espaço privilegiado para as relações de amizade com esses supostos camaradas de armas?

A integração regional faz todo sentido quando impulsionada por interesses econômicos e comerciais concretos, de resultados aferíveis na ponta do lápis pelos países envolvidos e lastreada no respeito aos contratos. Na economia globalizada, a formação de parcerias, alianças e blocos, em qualquer setor e em qualquer nível, é utilíssima ferramenta de defesa e ataque, que protege os fracos e robustece a capacidade de barganha dos mais fortes.

A União Européia talvez seja o melhor exemplo das virtudes dessa ferramenta. Qual seria o futuro de países relativamente atrasados como Portugal e Grécia se tivessem ficado à margem da integração européia? E que possibilidade de êxito teriam mesmo potências econômicas com o vigor da Alemanha se fossem condenadas a enfrentar sozinhas, em pé de igualdade, a força econômica avassaladora dos Estados Unidos, e a espantosa vitalidade da recém-chegada China?

A situação da Petrobras na Bolívia mostra como é arriscado confiar em acordos comerciais com base em afinidades ideológicas. Evo Morales, que se diz admirador e discípulo de Lula, mal esperou tomar posse para anunciar medidas que contrariam reais interesses brasileiros. Que sirva de alerta contra futuras tentações dessa natureza.

Tradicionalmente, parcerias e alianças fazem parte do equipamento de sobrevivência. Mas só oferecem proteção num meio hostil quando inspiradas por razões e interesses concretos.