Título: O MONOPÓLIO DO MEDO
Autor: GERALDO TADEU, LUCINEI LUCENA e LUZIA TARCITANO
Fonte: O Globo, 25/04/2006, Opiniao, p. 7

TARCITANO DE ARAÚJO

Aviolência no Brasil é fato grave que merece muita reflexão. Por isso, gostaríamos de ocupar esse espaço para aprofundar a discussão de outros aspectos relevantes da pesquisa de vitimização publicada pelo GLOBO(16/4). Mas a crítica feroz e gratuita ao trabalho do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), como a feita na semana passada pelos professores Alba Zaluar, Antonio Ponce de León e Mario Monteiro (aparentemente movida só pelo desejo de preservar um monopólio), exige de nós uma pronta resposta.

Primeiro, lembremos uma lição básica: distintas metodologias levam a resultados distintos. O método etnográfico produz informação qualitativa enquanto o método estatístico produz dados quantitativos. São diferentes modos de abordagem e de tratamento, igualmente válidos. As pesquisas sobre violência que florescem país afora não causam atropelo, mas construção de conhecimento. Conhecimento, aliás, que, por ser um ¿Bem Universal¿, não pode ser apropriado, sob pena de se tornar dogmatismo.

Críticas baseadas em reportagens são, no mínimo, temerárias. A pesquisa visava quantificar o número real de vitimizações, qualificando-as a partir do relato das vítimas. Todos os 2.482 entrevistados, de 33 municípios do Estado, responderam a perguntas de ordem geral sobre a percepção da insegurança, mudança de hábitos, estratégias para lidar com a violência, atuação das autoridades no combate à criminalidade e sobre a credibilidade das instituições policiais e judiciais. Havendo relato de violência, o entrevistado respondia a outras 26 questões sobre o evento, o agressor, o bem em causa, o montante envolvido, além de descrever e avaliar a resposta policial. As entrevistas, realizadas por um grupo de doze pesquisadores, tiveram, em média, 21 minutos. Tudo sem pressa.

O afã de desqualificar a pesquisa telefônica levou nossos críticos a desconsiderar que desde 2000, o número de acessos instalados em telefonia fixa cresceu 31,3% no Brasil, o que torna o uso dos dados do Censo pelo menos arriscado. A Pnad 2004 mostra que o Estado do Rio tinha, já à época, 79% de seus domicílios com telefones instalados. Pelo ¿Atlas Brasileiro de Telecomunicações 2006¿, o Rio é o estado de maior teledensidade do país, com 7.504.867 acessos fixos, 75,2% deles em domicílios. Só na capital do Estado, 5.008.592 linhas atendiam a 1.978.839 domicílios, com ampla cobertura. Constitui erro grave afirmar que: ¿Perguntas feitas por telefone não podem escolher (sic) (sistemática e aleatoriamente) quem no domicílio vai responder às questões...¿ Esquecem de que o telefone é apenas um meio de atingir as pessoas, como é a entrevista pessoal e, da mesma forma que esta, deve seguir um rígido plano amostral estratificado por sexo, idade, renda e local de moradia de acordo com dados do IBGE.

Por fim, a investigação sobre a intenção de deixar o Rio por causa da violência (tema, aliás, lateral na pesquisa) visava oferecer aos entrevistados uma opção extrema para testar seu grau de tolerância à recorrência da criminalidade. Por óbvio, se outras opções tivessem sido oferecidas, haveria outras respostas, numa simples desagregação de dados. Quem não queria mudar de cidade respondeu simplesmente ¿Não¿ sem nenhum constrangimento. Os números de outra pesquisa infelizmente não podem ser comentados, vez que não se conhecem desta se não resultados parciais, recém-tabulados para fins de contraste.

Constrange-nos nessa polêmica, à parte as insinuações gratuitas sobre pesquisas ¿inventadas¿, a falta de discussão sobre o fundamental: a insegurança e o medo, já incorporados à nossa rotina; a falta de uma política de prevenção de pequenos delitos e a baixíssima credibilidade da polícia. Pseudoquerelas metodológicas artificialmente exacerbadas não contribuem para aprofundar o debate sobre a segurança pública. O medo, que está na origem das saídas extremas, não foi inventado pela pesquisa do IBPS; ele está nas ruas para quem se dispuser a ver.

Os cidadãos cariocas e fluminenses, apesar de tudo, têm se mostrado bem mais conscientes do que pensam nossos cientistas sociais e por isso vão saber rejeitar toda tentativa de manipulação.

GERALDO TADEU MOREIRA MONTEIRO é presidente do IBPS. LUCINEI LUCENA é sociólogo. LUZIA TARCITANO DE ARAÚJO é estatística.