Título: Condenada ganha R$105 milhões
Autor: Dimmi Amora
Fonte: O Globo, 29/04/2006, O País, p. 3

ONG que ganhou maior volume de verbas do estado é comandada por dirigente do PMDB

OCentro Brasileiro de Defesa dos Direitos da Cidadania (CBDDC), ONG que recebeu R$105,6 milhões do governo do estado no ano passado, já tinha sido condenada em 2001 por desvio de dinheiro público. A ação fora impetrada pela Fundação de Apoio à Infância e à Adolescência (FIA), do próprio governo do estado, e a Justiça decidiu que a ONG deveria devolver R$181.670 com juros e correção monetária, dinheiro que recebera para desenvolver projeto que nunca ficou pronto. Mesmo com o calote e a condenação, a ONG foi a que mais recebeu recursos em 2005 para desenvolver projetos para o governo estado, projetos estes que não consegue comprovar.

A ONG é presidida por Carlos Alberto da Silva Lopes, presidente do PMDB de Petrópolis, partido dirigido no estado por Anthony Garotinho. Ela tem como vice-presidente Helio Bustamante da Cruz Secco.

O CBDDC é uma das 12 ONGs que receberam, entre janeiro de 2005 e abril deste ano, um total de R$254 milhões da Fundação Escola de Serviço Público (Fesp). Entre elas estão pelo menos três delas cujos diretores são sócios de três empresas que doaram R$650 mil para a pré-candidatura de Anthony Garotinho à Presidência.

Condenação por desvio

A condenação foi decidida pela 6ª Vara de Fazenda Pública e provocou outra ação em 2003, de improbidade administrativa, contra a entidade e sua ex-diretora, a advogada Cristina Leonardo, que tramita na mesma vara. Na época da condenação, a ONG chamava-se Centro Brasileiro de Defesa da Criança e do Adolescente e cuidava de menores de rua e pessoas desaparecidas.

O projeto para o qual ela recebeu recursos públicos em 1997 e 1998 seria o de desenvolver um software para mostrar o envelhecimento por foto de crianças desaparecidas para a FIA. O software nunca ficou pronto e a FIA entrou na Justiça para reaver os recursos. Consta na ação de improbidade proposta pelo MP que a sentença que condenou a ONG a devolver o dinheiro já tramitou em julgado (condenação definitiva) e que estaria em fase de execução.

Na ação de improbidade, o MP pede que Cristina e o CBDDC sejam condenados pelo artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa que prevê ¿ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.¿

Criado em 1988, e apesar de ter trabalhado com crianças, o CBDDC foi contratado ano passado pela Fesp, pelos R$105 milhões, para programas de melhoria no sistema estadual de saúde e para operacionalizar o sistema informatizado da área comercial da Cedae.

Mesmo tendo recebido mais de R$105 milhões em um ano, a empresa tem como sede uma pequena sala no município de Areal, na Região Serrana do estado. No lugar há apenas sete computadores, num prédio modesto. Nas notas de empenho feitas pelo Siafem consta o endereço da ONG na Rua Evaristo da Veiga, no Centro do Rio. Lá funciona hoje um consultório dentário.

Numa entrevista coletiva ontem à tarde, o procurador-geral do estado, Francesco Conte, disse que um dos critérios para contratar ONGs sem concorrência pública (como é o caso das 12 contratadas pela Fesp) para prestar serviços é que elas cumpram os requisitos do inciso 13 do artigo 24 da lei 8.666, a lei de licitações, que prevê dispensa de licitação em caso de contratação de instituição de pesquisa, ensino e desenvolvimento ou de ¿inquestionável reputação¿.

Estado diz uma coisa; ONG, outra

O presidente da Fesp, Paulo Sérgio Costa Lima Marques, disse que o CBDDC foi contrato para desenvolver um estudo de racionalização das unidades de saúde estaduais. Perguntado insistentemente se era uma consultoria, ele respondeu que não. Paulo Sérgio também disse que não havia contratação de mão-de-obra para hospitais no contrato.

O vice-presidente da ONG, Helio Secco, disse ao GLOBO que 90% dos recursos foram repassados para que 15 cooperativas pagassem a cerca de nove mil profissionais de saúde que trabalham em hospitais da rede estadual sem concurso público. Segundo ele, essa folha girava entre R$8,5 milhões e R$9 milhões mensais. O restante do dinheiro, disse, foi destinado a projeto para fazer um diagnóstico da rede de saúde.

¿ Nós recebíamos da Fesp e repassávamos para as cooperativas que pagavam aos profissionais ¿ disse Hélio, que negou ter qualquer parentesco com Ricardo Secco, que é apontado em depoimentos no Ministério Público do Trabalho com responsável por cooperativas contratadas pelo governo.

¿Se é consultoria, deve ser secreta¿

Em 2005, o estado gastou R$282,9 milhões com o pagamento dos seus 21 mil servidores da saúde concursados. Os R$105 milhões repassados para o CBDDC correspondem a 37,1% deste gasto, de acordo com o deputado estadual Paulo Pinheiro (PPS). O valor equivale a 6,4% de todos os recursos aplicados em saúde no estado em 2005, R$1,634 bilhões. Os pagamentos ao CBCCD são 20 vezes maiores que o total de investimentos (compra de novos equipamentos e obras) na rede estadual naquele ano, R$4,6 milhões.

¿ Se foi repassado este valor para uma consultoria, ela deve ser secreta porque ninguém conhece. Se foi usado para pagar servidores não concursados, considero o valor estarrecedor ¿ disse Pinheiro.

O deputado, que é presidente da Comissão de Saúde da Alerj, disse que o CBDDC é desconhecido pelos profissionais de saúde e, portanto, não teria como ser considerada como especialista no setor para ser dispensada de licitação.

O presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze, disse que não conhece qualquer estudo feito pela entidade e que a situação dos hospitais é caótica. Procurada, a Secretaria estadual de Saúde não quis comentar o caso.

COLABOROU Marco Antonio Martins, do Extra