Título: HARLEY-DAVIDSON QUER INVADIR A CHINA
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 30/04/2006, Economia, p. 34

Americana abre loja em Pequim de olho nos novos-ricos que pagam até R$78 mil por uma moto

PEQUIM. Desde que Michael Wei, de 32 anos, tinha um banda de heavy metal, há pouco mais de dez anos, ele sonhava em ter uma motocicleta Harley-Davidson, exatamente como nove entre dez metaleiros do planeta. Naquela época, no entanto, a China ainda iniciava seu processo de abertura econômica e as caríssimas motos Harley-Davidson eram um símbolo americano distante para um mercado de motos fechado.

Há uma semana, Wei, hoje um bem sucedido empresário do setor de aluguel de carros em Pequim, realizou o seu sonho. Por 260 mil yuans (US$32.500 ou cerca de R$67,8 mil), ele comprou uma HD modelo V-Rod, que agora exibe orgulhosamente pelas ruas da capital chinesa. Mas por que este chinês decidiu gastar o dinheiro equivalente a um Audi comprando uma motocicleta?

¿ Primeiro, porque esta é a realização de um sonho antigo ¿ responde o empresário. ¿ Segundo, porque eu já tenho um Audi.

Veículo tem limitações para circular nas cidades

Pois foi pensando exatamente nessa nova classe de consumidores de alto poder aquisitivo que a americana Harley-Davidson decidiu abrir, no dia 8 de abril, sua primeira loja na China, em Pequim, em parceria com empresários locais. Com cerca de 500 metros quadrados e vendendo de motos a centenas de acessórios, como casacos de couro e capacetes, a loja da fabricante americana de Milwaukee está disposta a vencer as enormes barreiras ainda existentes hoje para as motocicletas na China, apesar do crescimento acelerado do mercado de veículos.

¿ A Harley-Davidson chegou não para vender um meio de transporte, mas um estilo de vida e um conceito de lazer e diversão voltado para os chineses que estão hoje no topo da pirâmide social ¿ diz Hollis Zhao, gerente-geral da loja.

De fato, o preço das motos vendidas por Hollis ¿ de 220 mil yuans (US$27,5 mil ou cerca de R$57,4 mil), a mais barata, até 300 mil yuans (US$37,5 mil ou R$78,3 mil) ¿ pode parecer salgado numa cidade cuja renda média é de cerca de US$2 mil. Mas isso não o preocupa. O que perturba mais a empresa são as amarras às quais o mercado de motocicletas está submetido na China, especialmente as licenças para direção. Praticamente todas as grandes cidades do país estabelecem limitações para a circulação de motos.

No caso de Pequim, por exemplo, existem duas licenças: a Jing-A, que permite o uso da moto na área dentro do quarto anel (o coração da cidade), mas que está limitada a apenas 30 mil unidades desde 1985, quando o governo local decidiu barrar as motos para evitar acidentes.

Esta licença é hoje um verdadeiro tesouro para quem gosta de motos e chega a custar 16 mil yuans (US$2 mil) nas agências de transporte do governo municipal. A autorização vale entre oito e 11 anos, dependendo da moto, e só se compra se houver outra para vender.

A outra é a licença Jing-B, que permite o uso da moto apenas fora do quarto anel (nos subúrbios e nas estradas). Esta não tem limites, custa cerca de 80 yuans (US$10) e é a preferida dos camponeses chineses.

Proprietários são obrigados a destruir motos

Além disso, o governo municipal também determina o prazo de validade de uma moto, que é hoje de cerca de dez anos. Passado este prazo, o dono da moto precisa, obrigatoriamente, desativar o veículo (destruir, desmontar ou incinerar) e comprar outra. A esperança da Harley-Davidson, cujas motos são peças que duram vidas inteiras nas mãos de seus donos, é a regulamentação do conceito de propriedade privada, incluído recentemente na Constituição do país.

¿ Ficando claro que uma motocicleta é uma propriedade privada, os donos terão garantia de que podem fazer com elas o que bem entenderem, na hora que bem entenderem. ¿ diz Hollis.

Nenhuma dessas limitações, no entanto, está impedindo a Harley-Davidson de vender o seu conceito de luxo sobre rodas em Pequim. Desde a inauguração, há menos de um mês, quatro motos já foram vendidas e outras quatro estão em negociação.

¿ Nosso público é o chinês que tem até um milhão de yuans para gastar num brinquedo ¿ diz Hollis Zhao. ¿ Vamos crescer com a China.