Título: A GRANDE DESCOBERTA DOS ECONOMISTAS
Autor: ISABEL LUSTOSA
Fonte: O Globo, 07/05/2006, Opinião, p. 7

Finalmente os economistas começam a ver na educação fundamental uma questão básica para o crescimento do país. E citam exemplos recentes de países como a Coréia que deram saltos consideráveis graças à inserção de suas crianças em boas escolas, com bons mestres e em horário integral. Não precisavam esperar tanto tempo nem ir tão longe para certificar-se do que afirmam hoje. Com o enorme poder que tiveram ao longo dos últimos quarenta anos, os economistas que definiram os nossos destinos poderiam ter chamado a atenção e influenciado as políticas dos últimos governos no sentido de resolver o grave problema da educação. Não é preciso muita pesquisa para saber que crianças criadas em lares mesmo modestos onde a mãe da família era uma professora prosperam mais que as outras.

Não era preciso visitar a Coréia para lembrar o que um projeto sólido de educação faz por um município. Era só relembrar o que fez na primeira metade dos anos 30 o prefeito Pedro Ernesto, tendo como secretário de Educação Anísio Teixeira. Foram construídas então, no Rio de Janeiro, 28 escolas, cada uma com capacidade para mil alunos. Espalhadas por todo o município, suas localizações foram definidas após cuidadosos estudos, privilegiando as áreas mais pobres. Em 1933, a primeira escola construída numa favela foi inaugurada no Morro da Mangueira. O Instituto de Educação formou, durante os quatro anos da administração Pedro Ernesto, 800 novos professores. A sofisticação dos cursos do Instituto era tanta que se chegava a exigir pleno conhecimento de francês e inglês dos futuros professores primários. O nível destes, com o aprimoramento dos cursos do Instituto de Educação, alcançou padrão universitário. Pois Anísio Teixeira sabia que o que garante uma educação de qualidade não é o prédio da escola, e sim o nível dos docentes. Pesquisas recentes demonstram que quanto mais bem pago é o professor, melhor é o nível de seus alunos. Por isso nos parece tão penoso pensar nos péssimos salários pagos hoje a essa categoria e no abandono em que se encontram as escolas de ensino fundamental controladas por prefeitos nem sempre interessados em garantir uma boa formação para seus futuros munícipes.

Meu filho, Francisco Bento, estuda desde a primeira série do primário no mesmo colégio: o Centro Educacional Anísio Teixeira, o CEAT, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Afeiçoou-se à escola e aos professores, e, muito especialmente, ligou-se à coordenadora do ensino fundamental, Mercedes Carneiro. Mesmo já se preparando para o vestibular, ainda na mesma escola, o Chico de vez em quando passa na sala de Mercedes para conversar. Estive lá há uns dois anos para falar de meu livro infantil para a turma do segundo ano primário, gente que tem entre oito e nove anos de idade. Aproveitei e fui dizer um alô a Mercedes, agradecer todo o carinho que ela e as demais professoras dedicaram ao meu filho ao longo de tantos anos. Conversando sobre seu trabalho, Mercedes me contou que é professora primária desde os dezoito anos e não se imagina fazendo outra coisa.

Mercedes me mostrou o maior tesouro dessa sua história: um caderno de 1964, quando ela era professora no Externato Coração Eucarístico, no Flamengo. Nele estão reunidas as mensagens que os alunos do segundo ano primário escreveram para ela em homenagem ao dia do professor. São desenhos e textos singelos escritos com letrinhas trabalhadas nos exercícios de caligrafia ¿ tão melhores que as das crianças de hoje ¿ que revelam um carinho e um respeito pela professora que merece ser relembrado. As crianças da segunda série primária do Externato Coração Eucarístico acreditavam que deviam sempre respeitar a professora, ¿pois quando estamos na escola ela está no lugar de nossa mãe¿, e reconheciam que mesmo quando a professora fica zangada e ralha com os alunos ¿é para o nosso próprio bem¿.

Artur Jorge de Freitas Braga diz que sem as professoras ¿ninguém saberia ler, nem escrever, fazer problemas, contas etc.¿ e acha que por isso o dia das professoras deve ser festejado, pois ¿é uma homenagem àquelas que nos tratam com carinho e fazem tudo que podem para nos dar o que sabem¿. Regina Lúcia diz que d. Mercedes trata os alunos com carinho e muita paciência e que sua missão é muito bonita e nobre: a de ensinar todas as crianças a ler. Outro aluno diz que, nesta data, ¿vamos abraçá-la como demonstração de nossa amizade e do nosso agradecimento pelo seu esforço em nos instruir para no futuro sermos homens capazes de nos dirigir e vencer as dificuldades¿.

Luís Sérgio Blanquet diz que gosta muito de d. Mercedes porque ela é muito boa para ele e para todos os seus amigos. Mas, acrescenta, ¿quando ela fica com raiva é fogo¿. Ele promete que, no dia das professoras, ¿vou ficar muito quietinho. Será o meu presente para ela¿. Sylvia Fonseca diz que, como d. Mercedes ensina com muito carinho, fica muito mais fácil de aprender: ¿Eu procuro me comportar melhor e estudar a lição dada para agradar à minha professora. Espero ser boa aluna até o fim do ano.¿ Jorge Eduardo diz que a festa das professoras vai ser muito divertida, que todos vão levar flores e que todos vão ¿de uniformes limpos, sapatos engraxados e cabelos penteados¿. Rossane diz que a professora vai ganhar sabonetes, talcos, bolsas, rosas e outras coisas e que, durante a festa, algumas alunas recitarão versos. Suely diz que gosta muito de d. Mercedes e que ela é a mais bonita do colégio e que não quer que batam na professora nem com uma flor.

Lendo essas mensagens produzidas por mentes infantis naquele longínquo ano de 1964 não podemos deixar de pensar em quanta coisa mudou na relação entre alunos e professores desde então. Será que as crianças de hoje em dia diriam que a professora é sua segunda mãe? Será que têm o mesmo respeito e a mesma noção da importância da professora para as suas vidas? Talvez na escola particular as coisas não tenham mudado tanto, mas na pobre e abandonada escola pública eu desconfio que estejam faltando muitas donas mercedes.

ISABEL LUSTOSA é historiadora.