Título: O NOVO EIXO CARACAS-BUENOS AIRES
Autor: RUBENS BARBOSA
Fonte: O Globo, 09/05/2006, Opinião, p. 7

Em dezembro de 2004, com toda pompa e circunstância, foi concretizado um dos principais projetos da política externa do governo Lula. Nascia a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), depois de o governo brasileiro ter conseguido juntar ¿ não sem um penoso esforço de convencimento ¿ todos os países sul-americanos.

Menos de um ano e meio depois da criação da Casa, o processo de integração regional enveredou por caminhos que a diplomacia brasileira não pôde antecipar, entre outras razões, justamente pela maneira como o Itamaraty conduziu as relações com os países vizinhos.

A proclamação da liderança regional pelo governo brasileiro e as prioridades mais amplas para aumentar a projeção externa do Brasil relegaram a um segundo plano o entorno geográfico e a revitalização do Mercosul, apesar da retórica oficial em contrário.

Uma recapitulação dos principais acontecimentos políticos e econômicos recentes, relacionados com a integração regional, mostra que, ao invés do fortalecimento da união entre os países da região, o que ocorreu foi um acelerado movimento de fragmentação e de desintegração:

* Argentina e Uruguai estão às turras por conta da instalação de duas plantas de papel e celulose na fronteira dos dois países;

* Chile, Bolívia, Peru e Equador, Venezuela e Colômbia continuam com problemas de fronteira que, seguidamente, voltam à superfície;

* Venezuela anunciou a saída da Comunidade Andina de Nações e deverá ser acompanhada pela Bolívia, desagregando totalmente esse grupo;

* Bolívia e Venezuela protestaram fortemente contra a assinatura de acordo de livre comércio pela Colômbia e pelo Peru com os EUA;

* O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, engajou-se em guerra verbal contra o México, a Colômbia e o Peru, interferindo diretamente no processo eleitoral a favor do candidato Ollanta Humala;

* A Venezuela, a Bolívia e Cuba assinaram em Havana um Tratado Comercial que se pretende alternativo à Alca;

* A Bolívia nacionalizou ¿ com o aval e o aplauso da Venezuela, e o Brasil sem a solidariedade de ninguém ¿ os recursos petrolíferos do país, expropriando os ativos da Petrobras e colocando em risco, pelo aumento do preço, o fornecimento de gás natural à indústria e aos automóveis brasileiros.

O presidente Hugo Chávez se apresenta como o campeão da integração sul-americana com propostas ambiciosas, como o megagasoduto para transportar o gás de seu país para toda a região; a criação do Banco do Sul, para financiar projetos de infra-estrutura, e da Organização do Tratado do Atlântico Sul, instrumento de defesa regional inspirado na Otan.

O populismo nacionalista de Chávez, contudo, está fazendo com que suas ações estejam na raiz do atual processo de desintegração regional.

Um novo eixo de poder parece estar em acelerada gestação. A lógica da integração sul-americana sempre foi, do ponto de vista do Brasil, o eixo Brasília-Buenos Aires. Hoje, consolida-se o eixo Caracas-Buenos Aires, como, implicitamente, o Brasil reconheceu ao convocar a reunião de Puerto Iguazu para discutir a integração energética, em especial a questão da nacionalização dos ativos da Petrobras, com a participação de Chávez, convidado pelo Brasil, sem ser parte diretamente interessada.

Todo o esforço diplomático brasileiro dos últimos 20 anos foi prejudicado e levará tempo para que a influência brasileira e os ressentimentos generalizados contra o Brasil sejam superados.

Em acontecimentos recentes, o governo brasileiro foi tímido na defesa dos interesses da Petrobras na Bolívia, hesitante como país-líder do Mercosul e se mostra paralisado diante da desenvoltura da movimentação de Hugo Chávez, que há pouco promoveu reunião em Assunção com Paraguai e Uruguai para ouvir queixas contra o Brasil e o Mercosul, levando a tiracolo o chanceler de Cuba...

O posicionamento em relação aos EUA poderá ser a próxima etapa da divisão regional, como ficou claro na reunião de presidentes de Mar Del Plata, quando 29 países apoiaram a retomada das negociações da Alca e cinco (Mercosul e Venezuela) ficaram contra.

Sem estratégia, na defensiva e a reboque dos acontecimentos, o Brasil, solidário com interlocutores que defendem políticas que não estão em nossa agenda, não tem como desestimular a formação de novos eixos com iniciativas contrárias ao interesse nacional e com ações que desrespeitam acordos e contratos.

RUBENS BARBOSA é consultor e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).