Título: GOVERNO REJEITA PRESSÕES DOS EXPORTADORES
Autor: Martha Beck e Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 11/05/2006, Economia, p. 37

Ministro da Fazenda afirma que não haverá mudança no câmbio, apesar de ameaças de demissões por montadoras

BRASÍLIA e SÃO PAULO. Mesmo com as pressões dos exportadores por mudanças na política cambial, o governo reafirmou ontem que nada mudará. Numa reunião com o setor automotivo, que ameaça fazer demissões caso continue perdendo competitividade devido à valorização do real frente ao dólar, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu apenas estudar a ampliação de uma linha de financiamento do BNDES para exportações. Já o secretário-executivo da Fazenda, Bernard Appy, disse a representantes da indústria de calçados que o câmbio deve ser o adequado, mesmo que isso comprometa a sobrevivência de alguns setores da economia.

Appy afirmou que o câmbio atual é de transição, mas, a longo prazo, deve se equilibrar, mesmo que não seja no nível idealizado por alguns setores. Já o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que participou do encontro com as montadoras, disse que está havendo não uma valorização do real, e sim uma desvalorização do dólar:

¿ Calçadista ouviu não e montadora ouviu não. Isso vale para todo mundo.

O ministro também descartou desonerações tributárias, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), para ajudar o setor automotivo. Mas fontes do governo negam e dizem que este mecanismo apenas enfrenta a resistência da Fazenda. Segundo o secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Antônio Sérgio Martins, outras medidas de apoio à comercialização no mercado interno podem ser tomadas, usando ¿toda a criatividade¿ do governo.

BNDES pode elevar financiamento para o setor

Martins explicou que a linha do BNDES financia hoje 30% do valor previsto no contrato de exportação da montadora, mas esse valor pode passar para 60%. Marinho, por sua vez, disse que o banco também poderá ajudar a financiar investimentos do setor em tecnologia.

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Rogélio Golfarb, disse que o câmbio desfavorável tem reduzido o ritmo de crescimento das exportações das montadoras, que já enfrentam problemas de competitividade no país. Ele lembrou que há dificuldades para obter financiamento e compensar créditos de ICMS. Golfarb afirmou que, com o atual patamar do câmbio, é preciso ¿ser mais eficiente na questão creditícia e na questão tributária ligada à exportação¿. Ele disse não ter ficado decepcionado pelo fato de o governo não alterar a política cambial, mas alertou:

¿ Chegamos a um nível de 33% da produção estarem dedicados às exportações, e é claro que uma grande parte da nossa força de trabalho depende dos veículos vendidos a outros países. Competitividade é o nome do jogo e o ministro (Mantega) sabe que isso é fundamental. Se não fizermos nada, vamos pagar um preço alto, perdendo nossas exportações para países mais competitivos.

Estudo do Iedi mostra queda na competitividade

Segundo Golfarb, a situação da Volkswagen não foi discutida no encontro. A montadora alega que, com o real forte, deixará de exportar 80 mil veículos para a Europa este ano, o que pode levá-la a demitir até seis mil trabalhadores.

Para o ministro do Trabalho, apesar de todo o setor automotivo apresentar problemas por causa do câmbio desfavorável, a Volkswagen é um caso à parte, pois está fazendo uma reestruturação mundial e anunciou demissões também na Europa. Além disso, Marinho rebateu as críticas da Fiesp de que só setores que reclamam com o governo obtêm algum benefício:

¿ Tem esse ditado popular de que quem não chora não mama, mas nosso governo tem como característica olhar todos os setores da sociedade.

Mas o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) divulgou ontem um estudo que reforça a necessidade de adotar medidas para conter a valorização do real frente ao dólar. Segundo o ¿Colapso da competitividade exportadora¿, o indicador de competitividade das exportações brasileiras acumula queda de 40% entre janeiro de 2002 e março deste ano, ficando abaixo do patamar anterior à desvalorização do real, em 1999.

Considerando o ano de 2002 como base 100, o estudo mostra que o índice de competitividade das exportações brasileiras no mercado americano estava em 89,9 em 2003, recuando para 84,5 em 2004, 70 em 2005 e 61 em março passado. O mesmo ritmo foi observado no mercado europeu: 95,9 em 2003, 74,3 em 2005 e 60 em março.

COLABOROU Aguinaldo Novo