Título: Americanos sob vigilância
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 12/05/2006, O Mundo, p. 30

Agência do governo espiona milhões através de registros telefônicos passados por grandes empresas

Até mesmo parlamentares do Partido Republicano reagiram ontem com veemência à revelação de que o governo dos Estados Unidos vem espionando dezenas de milhões de americanos, ao longo dos últimos quatro anos e meio, com a obtenção de registros de seus telefonemas. Os dados vêm sendo passados diariamente à Agência de Segurança Nacional (NSA) por três das quatro maiores companhias telefônicas do país: AT&T, Verizon e Bell South. Elas fornecem serviços de linhas fixas e celulares para mais de 200 milhões de pessoas.

Companhia rebelde sofreria retaliação

Embora a NSA considere voluntária a ajuda das empresas, a agência tem um contrato comercial com elas: as companhias recebem dinheiro em troca desse auxílio. Apesar de muitas pressões, a quarta empresa ¿ Qwest ¿ negou-se a prestar o serviço à agência de espionagem, e por isso não tem obtido mais contratos do governo, de acordo com uma denúncia feita ontem pelo jornal ¿USA Today¿.

Segundo o jornal, a NSA ¿ cuja especialidade é espionagem eletrônica, com interceptação de e-mails, telefonemas, faxes e sinais de rádio ¿ não estaria grampeando as chamadas locais e interurbanas (como faz com as internacionais), e tampouco solicitando que as companhias telefônicas façam isso. No entanto, a agência obtém informações sobre os números discados pelos usuários, e as estaria utilizando para ¿garimpar dados¿ ¿ termo que usa para se referir a análises, via computador, de grandes volumes de informação em busca de pistas ou padrões de atividade terrorista.

A revelação causou um escândalo tão grande que o governo se viu na contingência de programar, apressadamente, uma rápida aparição do presidente George W. Bush perante os repórteres que cobrem a Casa Branca para tranqüilizar os cidadãos. Ele disse apenas duas frases e deixou a sala, sem responder a perguntas:

¿ A privacidade dos americanos comuns está sendo ardentemente protegida em nossas atividades. Nós não estamos garimpando nem pescando informações sobre a vida pessoal de milhões de americanos inocentes ¿ garantiu ele, acrescentando que o foco dos esforços do governo está em ¿conexões da al-Qaeda e de seus conhecidos afiliados¿.

A NSA, que era dirigida pelo general Michael Hayden, indicado por Bush dias atrás para assumir o comando da CIA, a Agência Central de Inteligência, manteve-se calada. As três companhias telefônicas disseram apenas que protegem a privacidade dos seus clientes, mas têm ¿a obrigação de ajudar o governo a garantir a segurança da nação¿.

No Congresso, o assunto provocou alarme e condenações em tom de irritação. O senador republicano Arlen Specter, presidente da Comissão Judiciária, disse que convocará executivos das três empresas:

¿ Vamos ver se elas contam aquilo que não conseguimos ouvir do Departamento de Justiça ou de funcionários do governo. Estamos realmente num vôo cego nesse assunto, e essa não é uma boa maneira para considerar a Constituição e assuntos que envolvem a privacidade ¿ disse ele.

O senador republicano Lindsey Graham se espantou com o método.

¿ Como é que essa história de colher milhões ou milhares de números de telefone se encaixa numa operação de perseguir o inimigo?

O democrata Patrick Leahy também abriu fogo:

¿ Este é o nosso governo. É o governo dos Estados Unidos, e não de um partido. E quem recebeu a confiança de um grande poder tem o dever de responder aos americanos o que está fazendo ¿ disse ele, apoiando a idéia de uma investigação parlamentar, endossada pelos dois partidos.

Bush, por sua vez, continua perdendo apoio popular, agora até mesmo em sua base eleitoral: uma pesquisa do Instituto Gallup indicou que apenas 52% dos conservadores e 68% dos republicanos estão satisfeitos com ele, uma rejeição inédita.

Para Bush, Justiça pode ser entrave

A denúncia reacendeu um intenso debate sobre as questões legais desse tipo de espionagem. Historicamente, as companhias telefônicas têm exigido ordens judiciais para revelar dados sobre telefonemas de seus clientes. Isso, no entanto, ficou de lado em seu acordo secreto com a NSA. Ao mesmo tempo, os grampos de e-mails e telefonemas internacionais de americanos, realizados pela agência, tampouco vêm sendo feitos com a autorização exigida por uma lei de 1978. Na verdade, a espionagem é feita com base numa controvertida ¿ordem executiva¿ assinada por Bush sob a alegação de que ¿os procedimentos legais são muito lentos em alguns casos¿.