Título: Anistia cobra promessas de Lula e de estados
Autor: Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 24/05/2006, O País, p. 9

Em relatório, entidade critica as prisões brasileiras e diz que governantes têm que ser responsabilizados

SÃO PAULO. A Anistia Internacional divulgou mundialmente ontem seu relatório anual sobre a aplicação dos direitos humanos em 150 países investigados por seus pesquisadores em 2005. No capítulo sobre o Brasil, a entidade faz um alerta sobre a segurança pública, que ganha fortes contornos por causa da onda de terror provocada pela facção criminosa em São Paulo e pela reação da polícia, ocorridas após a produção do relatório.

A Anistia Internacional critica as condições das prisões no Brasil, destacando a violência entre os prisioneiros, os motins freqüentes, o aumento da população carcerária e os abusos dos policiais, além do desrespeito aos padrões internacionais de proteção dos detentos. O documento também destaca que faltaram iniciativas dos governos para as necessárias reformas na segurança pública no país.

Ao divulgar o relatório, a entidade fez um apelo para que os brasileiros cobrem soluções dos governantes diante do terror, comandado de dentro das prisões, e não aceitem retrocessos nos direitos humanos num momento em que o país acaba de conquistar uma vaga no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e precisará dar um bom exemplo ao mundo.

- O presidente Lula disse que a culpa pela violência em São Paulo não é dos governantes, mas da sociedade. Discordamos. Os governos devem fazer as mudanças que prometem e precisam ser responsabilizados. O que aconteceu foi uma explosão graças aos desmandos de governos e de um contínuo desrespeito aos direitos humanos - disse o britânico Tim Cahill, do escritório da Anistia para o Brasil em Londres.

O capítulo brasileiro destaca que pobres e excluídos continuam a ter seus direitos violados e cobra promessas de Lula e dos governos estaduais. "As violações dos direitos humanos sob custódia policial, incluindo execuções extrajudiciais, tortura e uso abusivo da força, continuaram em todo o país. A tortura e os maus-tratos foram generalizados no sistema prisional, onde as condições eram muitas vezes cruéis, desumanas e degradantes", diz o texto.

"Os governos estaduais falharam na implementação consistente das reformas de segurança pública delineadas na proposta de criação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e o governo federal concentrou sua atenção na formação policial em vez de introduzir reformas mais abrangentes, com base no respeito pelos direitos humanos", frisa a Anistia.

O relatório diz que o Brasil desrespeita os direitos das populações indígenas, alvos de ataques, assassinatos e expulsões de terras ancestrais. A Anistia cobra a promessa do governo de demarcar as terras até 2006 e ainda cobra medidas em favor dos sem-terra e dos ativistas do país.

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Planejar é arma contra o crime

Estudo aponta fatores de risco

O investimento em planejamento familiar é uma das mais eficazes armas contra a criminalidade, aliado a políticas voltadas à primeira infância e aos jovens. A conclusão é do professor Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele traçou um perfil comparativo do presidiário paulista com a população adulta do estado. Constatou que um homem, entre 20 e 29 anos, solteiro, com baixa escolaridade, imigrante, negro ou pardo, tem 2,04% de risco de estar num presídio de São Paulo. Mantidas todas as características, menos o sexo, o risco cai para 0,3%.

Para Neri, as mulheres, em contrapartida, têm o risco da gravidez precoce, que vem aumentando apesar da queda da taxa de fecundidade no país. Ele cita estudo do americano Steven Levitt, autor do best-seller "Freaknomics", que relacionou a liberação do aborto em estados dos EUA à redução da criminalidade duas décadas depois, nos anos 90.

- Famílias desajustadas em áreas de risco são terreno fértil para um futuro criminoso - afirma Neri, que alerta:

- Sem revolucionar a educação reprodutiva dos jovens, teremos mais tragédias. O tema é tabu, mas necessário. A sociedade precisa se educar a esse respeito.

CORPO A CORPO - TIM CAHILL

'A violação aos direitos humanos é contínua'

O britânico Tim Cahill, responsável pelas pesquisas da Anistia Internacional sobre o Brasil, diz que a sociedade deve cobrar medidas criativas dos governantes pela segurança, com a garantia da cidadania. Em entrevista por telefone, de Londres, Cahill diz que a entidade procurará os governos para reforçar o apelo.

Qual sua avaliação da situação dos direitos humanos no Brasil?

TIM CAHILL: Neste fim do governo Lula, dois fatos nos chamaram a atenção: 29 pessoas mortas por um esquadrão de policiais na Baixada e o assassinato de Irmã Dorothy, com todo o simbolismo que deu às freqüentes mortes no campo e à desproteção ao meio ambiente. Isso, para nós, reflete uma decepção.

Havia mais expectativa da Anistia em relação ao governo Lula?

CAHILL: Houve muitas promessas, mas foi contínua a violação aos direitos humanos das pessoas mais pobres, cometida principalmente por agentes do Estado, por latifundiários e grandes empresas.

Os ataques em São Paulo surpreenderam a Anistia?

CAHILL: Há um contínuo desrespeito humano por parte do governo de São Paulo. E, mais uma vez, o que vemos são as pessoas mais pobres sofrendo as mais graves conseqüências.

Quem deveria ser responsabilizado?

CAHILL: Parece que ninguém questiona a grande responsabilidade dos governos estadual e federal. Eles não podem ficar nesse limbo.

A Anistia vai procurar o governo federal e o estadual para falar de seu relatório?

CAHILL: Sim. A Anistia quer reforçar seu diálogo com os governos. Na nossa avaliação, o momento não é só de se criticar, mas de dialogar. Vamos apelar aos governos no Brasil para que não recuem da proteção aos direitos humanos, econômicos e sociais.