Título: Os ovos de ouro
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 04/06/2006, Economia, p. 34

O mundo está em transição para um período de menos liquidez, mais juros, mais volatilidade. Foi o que se viu nas últimas semanas. Umas das dúvidas é o que vai acontecer com os preços das commodities. O Brasil e vários outros países da região se beneficiaram fortemente com a explosão dos preços de metais e grãos. O cobre do Chile triplicou e o país fará um fundo de US$10 bilhões. O petróleo encheu a Venezuela de dólares. O Brasil teve um volume inédito de divisas, pré-pagou dívidas e acumulou reservas.

O fenômeno do boom dos preços dessas mercadorias está diretamente ligado à entrada da China e da Índia no mercado mundial há alguns anos. A China, no ano passado, consumiu 20% do cobre, 30% do aço e 47% do cimento produzidos no mundo. Essa explosão da demanda foi um dos motivos da fase de forte crescimento econômico dos últimos anos e da valorização dos metais.

Aos números: de janeiro de 2000 a abril de 2006, o preço do cobre subiu 251%; o minério de ferro, 141%; o ouro, 117% e o alumínio, 57%. No mesmo período, o preço das commodities agrícolas, de um modo geral, também subiu, mas o gráfico abaixo mostra o quanto aumentaram mais as não-agrícolas.

No Brasil, o efeito da alta dos preços contornou, em parte, a valorização do real. A Vale do Rio Doce, por exemplo, nossa maior exportadora líquida, tem conseguido aprovar aumentos anuais expressivos para o minério de ferro.

Na opinião da RC Consultores, alguns destes preços podem começar a cair agora, mas ainda vão se manter num patamar bastante elevado. Eles enumeram as razões: a demanda continua alta, os estoques mundiais permanecem baixos, as grandes economias continuam crescendo.

A demanda é tão alta que, no mês passado, a China teve que aceitar um aumento de 19% no preço do minério de ferro, mesmo a contragosto. Para o tamanho da demanda deles, não há minério suficiente no mundo; além disso, o minério que a China produz é de baixa qualidade, então precisam importar. A Vale aproveitou essa oportunidade.

No caso do Alumínio, a produção mundial está crescendo pouco e o consumo, muito; ajudado pela reconstrução das áreas devastadas pelo Furacão Katrina, no ano passado, nos Estados Unidos. Quanto ao ouro, ele encarece com a queda do poder do dólar, que talvez continue acontecendo este ano.

O cobre é dos exemplos mais gritantes; além de ser o que ficou mais caro entre 2000 e 2006, a previsão é de que aumente mais 180% só este ano. A RC Consultores destaca que o terremoto no Chile, aquele país de território pequeno, mas que produz 36% da matéria-prima no mundo, fez com que a produção caísse e, do lado da demanda, a urbanização chinesa, a construção civil estão ajudando a pressionar o preço.

No Chile, o cobre representa 45% do total das exportações do país e, diretamente, 25% da renda do governo ¿ sem considerar os impostos pagos pelas mineradoras privadas. É tão importante que, lá, o preço do cobre é o fator de maior relevância na hora de definir o Orçamento.

Todos os anos, em junho, um comitê se reúne para fixar um preço de longo prazo, de 10 anos, para o cobre. Para se ter uma idéia do salto que a commodity deu, este preço fixo está hoje em US$0,99 a libra quando, no mundo, já alcançou os US$2,59. Se o preço do cobre fica acima deste valor de referência, como está acontecendo agora, o ganho extra é guardado num fundo de investimento que o Chile tem no exterior. E por que no exterior? Para que o dinheiro sobrando não pressione o câmbio, nem a inflação no país. Hoje este fundo tem US$6 bilhões mas, com tamanha alta do cobre, a previsão lá é de que chegue aos US$10 bilhões até o fim de 2006. A discussão sobre o metal está quente no país às vésperas desta reunião anual.

Uma alta de preços tão grande nos insumos industriais, como a que vem acontecendo, normalmente provocaria uma pressão inflacionária. Essa pressão foi contida porque a China exportou produtos baratos, ou seja, ela acabou produzindo um efeito baixista nos preços no mundo inteiro. Mas a mágica da alta do preço das commodities com inflação baixa parece estar no fim. Esse é um dos pontos de incerteza da economia mundial.