Título: Fogo verbal
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 16/06/2006, O GLOBO, p. 2

No estouro das lambanças financeiras do PT, o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, lançou o grito de sangrar Lula ¿até a morte¿. Toda a oposição adotou a tática, subestimando as reservas de sangue de Lula, hoje corado e robusto nas pesquisas. O PSDB tenta dar a seu candidato um traço mais propositivo mas o PFL segue firme na malhação. O bombardeio a Lula no programa televisivo foi precedido da agressiva declaração do candidato a vice, José Jorge.

¿Lula só viaja, não trabalha e bebe muito, como dizem por aí¿, disse ele na convenção do PFL de Brasília, que lançou a chapa José Roberto Arruda-Paulo Octávio ao governo local. Os pefelistas já não devem acreditar no efeito eleitoral desta tática, mas seguem com ela para se distinguir e demarcar terreno para 2010. E, tudo indica, com nome próprio. Estão achando os tucanos ¿muito moles¿, embora tenham batido muito em Lula também no domingo passado, com Fernando Henrique afirmando que ele sujou as mãos.

As pesquisas deixam claro que o apoio a Lula vem dos mais pobres e menos instruídos, beneficiados por programas sociais e medidas econômicas que lhes permitiram esticar a renda e comprar mais, tais como o crédito popular e a redução dos impostos sobre alimentos básicos.

Hoje pode a oposição constatar que não viu este outro lado da Lua quando se concentrou numa campanha denunciatória e na sangria moral de Lula. Ele se esbalda numa campanha dissimulada e surfa na publicidade oficial mas o benefícios não surgiram agora. Já estavam se materializando naquele momento em que os escândalos suscitavam a indignação da classe média e o silêncio desconcertado dos mais pobres. Alguns economistas do PSDB advertiram para isso na época. Os mais pobres costumam seguir a classe média mas desta vez parece ter olhado mais para as próprias panelas.

Em agosto passado, quando ensaiou a ofensiva do impeachment, a oposição desistiu não por falta de condições jurídicas mas, como disse claramente, por falta de base política. Não havia clamor nas ruas como em 1992, nenhum sinal de receptividade, embora os índices de apoio a Lula estivessem despencando. Foram ao fundo do poço entre setembro e outubro.

Naquele momento poderia a oposição ter feito outro jogo. Seguir com as CPIs e as investigações ao mesmo tempo que apresentava um candidato e um programa alternativo para o país, assegurando que outro governo poderia fazer muito mais. Poderia ainda ter avançado na aprovação de reformas contra os vícios do sistema que permitiram tudo aquilo.

Hoje, quando comenta as pesquisas, Lula diz que a oposição o ajudou ao passar das medidas no espancamento. Teria virado pão-de-ló, a massa que, quanto mais se bate, mais cresce. O PSDB hesita entre apresentar Alckmin como candidato que tem propostas e conteúdo ou como um corista do PFL. Mas o tempo agora encurtou muito.

A declaração de José Jorge deixou os petistas espantados, imaginando o que ainda estará por vir. Ricardo Berzoini, mais agressivo, chamou o pefelista de ministro do apagão. O ministro Tarso Genro, de olho em 2007, é mais conciliador.

¿ Esta violência verbal é um resquício do ambiente gerado pela crise, que precisamos superar. Ela desqualifica o processo eleitoral, levando à descrença da população na sinceridade de propósito dos políticos. Impede a discussão do que realmente importa. Vamos evitar esta linguagem, esperando que a oposição perceba sua inutilidade.