Título: CORAGEM PARA REDUZIR IMPOSTOS
Autor: MIGUEL JORGE
Fonte: O Globo, 19/06/2006, Opinião, p. 7

Sobrecarregado de impostos e taxas de modo intolerável, o brasileiro não duvida mais que um presidente que conseguir reduzir a carga tributária sobre a produção e a renda terminaria seu mandato como o estadista da mais importante reforma do país.

Com quase 40% de carga tributária, mais de 24 pontos percentuais incidem sobre a produção, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, nos quais ¿ sensatamente ¿ os governos preferem tributar a propriedade, e depois, a renda. Não é outra a conclusão do recente estudo do ¿Estado de S. Paulo¿, segundo o qual cada cidadão precisa trabalhar 167 dias por ano para pagar ao Fisco e às instituições de crédito ¿ quase um mês a mais que no ano passado. Como reduzir a carga tributária sem uma reforma da Previdência, embora por pedaços, sem extirpar certos interesses políticos, e, sobretudo, sem tratar o Estado como uma empresa a ser gerida dentro de princípios empresariais é o que ainda ninguém se aventura a fazer.

Mas esse é o desafio que o presidente Lula ¿ ou quem lhe suceder, a partir de janeiro ¿ terá que responder, na medida em que a sociedade reclama uma política fiscal mais justa e um controle mais severo dos gastos públicos, que ainda não fazemos porque os governos não querem. Uma prova é a retirada dos tetos para despesas correntes e para a carga tributária do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), enviada recentemente ao Congresso, sinalizando que o controle dos gastos públicos não é mais a prioridade.

Quer dizer, se reeleito, o atual presidente poderá transferir para o bolso do contribuinte brasileiro ¿ e o mercado já está avisado do que terá pela frente ¿ grande parte das dificuldades do governo ou até sua responsabilidade pelo fato de gastar mais do que deveria gastar. Para o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, a meta para reduzir os gastos incluída na LDO corresponde a 0,1% do PIB, insuficiente para manter o equilíbrio das contas públicas por causa do aumento das despesas já autorizadas para este ano.

Melhor dizendo: com os recentes pacotes de ¿bondades¿ ¿ aumento real do salário-mínimo, com o qual o governo terá despesa adicional de R$5,6 bilhões, e outros benefícios, como aumentos para o funcionalismo público ¿ tem-se como certo que o cobertor do Orçamento ainda será muito curto.

Com base nesse cenário preocupante e no estudo pedido pelo Estado, certamente os brasileiros viverão um próximo ano fiscal ainda mais rigoroso, até porque há o precedente de o governo ter fechado 2006 com as despesas correntes e a carga tributária acima dos limites impostos por ele mesmo.

Junte-se a isso o fato de, em 2005, segundo os economistas José Roberto Afonso e Beatriz Barbosa Meirelles, e tomando-se por base a arrecadação per capita, cada contribuinte brasileiro ter transferido aos cofres da Receita Federal R$4.160 de impostos, taxas e contribuições. Afonso vai mais longe ao declarar que, no dia-a-dia, o governo combina aumento da carga tributária com aumento das despesas correntes, acrescentando que, em 2007, receberemos mais uma herança maldita, ¿resultado da farra fiscal que ocorre desde 2006¿.

Qual o argumento dos governantes para justificar essa farra, exceto as falácias politicamente incorretas da reforma da estrutura social e econômica, da necessidade de melhorar a infra-estrutura e do financiamento dos programas sociais, como o Bolsa Família, principal programa do governo?

E o que os juros bancários teriam a ver com isso, quando se sabe que, ao sinalizar mais gastos públicos para 2007, com uma carga tributária ainda maior, o governo federal incentiva a sonegação, cria condições para acelerar gastos e, assim, amplia o risco de os juros continuarem altos, pois terá que pegar mais dinheiro no mercado?

Está na hora de se abandonar a crença de que parte dos brasileiros torce pelo fracasso da economia ¿ e de acusar adversários de ¿pequenos¿ e ¿mesquinhos¿, por, supostamente, não quererem que a economia cresça. Afinal, aumento de impostos inviabiliza empregos, cria informalidade e aumenta a sonegação.

O presidente precisa provar que ninguém mais que ele se interessa em reduzir a carga tributária, e, por meio dessa redução, estimular o crescimento da economia e incentivar o maior bem-estar dos brasileiros, sobretudo dos mais pobres. Paradoxalmente, em termos relativos, são eles os que pagam mais impostos neste país, inclusive por causa da alta taxação dos alimentos e dos remédios.

MIGUEL JORGE é jornalista e executivo do setor financeiro.

N. da R.: Excepcionalmente, Paulo Guedes não escreve hoje.