Título: Rotas da Varig em fatias
Autor: Geralda Doca, Henrique Gomes e Helena Celestino
Fonte: O Globo, 21/06/2006, Economia, p. 19

Governo começa a dividir vôos domésticos e internacionais entre concorrentes

Diante do cancelamento de quase 60% dos vôos programados nas últimas 24 horas pela Varig ¿ que teria informado ontem ao Ministério da Defesa que suspenderá 70% dos destinos internacionais, principalmente na América do Sul e nos EUA ¿ e das dificuldades dos trabalhadores em encontrar os recursos para capitalizar a empresa, o governo começou ontem a dividir as rotas da companhia aérea (domésticas e internacionais) entre as concorrentes. Segundo o presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Milton Zuanazzi, o plano começa a ser implementado hoje e envolve o uso da capacidade ociosa das empresas nacionais, o fretamento de aeronaves e o compartilhamento de vôos com empresas estrangeiras.

Zuanazzi disse que o plano foi elaborado para atender à demanda nas próximas 72 horas. Ele evitou associar a medida a uma iminente falência da Varig, embora tenha adiantado que um plano para uma eventual paralisação também está em estudo.

Ontem, a Varig já suspendeu os vôos para os EUA até o dia 28. Nos próximos sete dias, nenhum avião da companhia voará para os EUA ou levará passageiros dos aeroportos americanos para São Paulo. Só nos EUA, são cerca de 3.200 passageiros que não poderão embarcar nos 16 vôos semanais da empresa: sete saindo de Nova York, seis, de Miami e três, de Los Angeles.

¿ Estamos acomodando os passageiros nas outras companhias. Todos que tiverem bilhete Varig devem procurar nossos funcionários nos aeroportos americanos ou contatar os seus agentes de viagem ¿ disse Roberto de Oliveira Luís, gerente-geral da empresa para EUA e Canadá.

Companhias usarão capacidade ociosa

Na segunda reunião do Gabinete de Crise, montado no Ministério da Defesa, a Anac determinou a TAM, Gol, BRA, Ocean Air e Web Jet que assumam as despesas de transporte e hospedagem, se quiserem participar do plano de contingência. As companhias usarão inicialmente a capacidade ociosa, mas já estão orientadas a fretar aviões, caso não seja possível atender à demanda. Nos vôos internacionais, será adotado o compartilhamento de rotas com estrangeiras. A Lufthansa já se comprometeu a assentar passageiros com bilhetes da Varig de ou para a Alemanha.

Segundo representantes do setor, Gol e TAM estão resistentes ao fretamento e ao compartilhamento, e vão continuar endossando os bilhetes desde que haja vagas. Na reunião, a TAM afirmou que já teve prejuízo de US$1 milhão para trazer usuários do exterior e a Gol disse que gastou R$500 mil só para embarcar os passageiros dentro do país, nos últimos dois dias. Segundo um executivo do setor, as companhias pediram para o governo cobrar a conta dos agentes de viagem e das operadoras.

De acordo com a Anac, os destinos internacionais hoje que representam os maiores gargalos são Los Angeles, Miami e Nova York (nos EUA), Assunção e Montevidéu (na América do Sul) e Munique (na Alemanha). Zuanazzi reconheceu, porém, que o governo ainda não conseguiu mensurar o tamanho da crise, especialmente no mercado doméstico. A Varig atende hoje a apenas 28 cidades brasileiras, enquanto a TAM responde por 43 e a Gol, por 41. Além disso, as concorrentes operam em todos os destinos atendidos pela Varig:

¿ A situação doméstica pode ser pior que a internacional, mas é de mais fácil solução.

Um plano de mais longo prazo começou a ser alinhavado ontem. Segundo fontes, as rotas internacionais serão divididas principalmente entre TAM, Gol e BRA. Na Europa ¿ um dos principais gargalos ¿ caberão à TAM Milão, Madri, Frankfurt, Londres e Paris, onde já opera. Nos EUA, a empresa atende Nova York e Miami. A linha de Los Angeles poderá ser operada pela Ocean Air, por meio da peruana Avianca. Os países da América do Sul ficarão com TAM e Gol, que poderá atender o México em parceria com a panamenha Copa Airlines. Já a BRA seria responsável por Lisboa e Madri .

Caso seja necessário, a Força Aérea colocará à disposição o Sucatão (antigo avião presidencial) para Europa e aviões menores na América do Sul. Para embarcar, o passageiro terá que apresentar o bilhete e terão prioridade doentes, pessoas com dificuldade de locomoção, idosos e crianças.

Nos EUA, os 40 funcionários do call center informam a suspensão dos vôos e tentam encontrar lugar em outro avião. Ontem, 200 passageiros que deveriam embarcar em Los Angeles para o Brasil foram surpreendidos pelo cancelamento. Hoje, 210 passageiros do vôo de Nova York terão de ser reacomodados e ainda falta encontrar lugar para 60 dos 200 que deveriam embarcar em Miami.

Protegida por sucessivas liminares, a Varig evitou o confisco dos 25 aviões que aluga da Boeing, da Wells Fargo Bank Northwest e da Internacional Lease Finance Corporation (ILFC). Mas na última audiência, a empresa se comprometeu a saldar a dívida com a ILFC e a Boeing até o dia 16, ou iniciar a devolução dos aviões. Não fez nem uma coisa nem outra e hoje haverá uma nova audiência em Nova York.

(*) Correspondente