Título: RISCOS À ESPREITA
Autor: Míriam Leitão/Débora Thomé
Fonte: O Globo, 12/07/2006, Economia, p. 26

A inflação prevista para o ano caiu pela sexta semana e está agora em 3,8%. A previsão dos economistas, freqüentemente, vale apenas se todo o cenário ficar constante. O cenário com que trabalham é o de que o dólar permanecerá baixo. Uma inflação abaixo da meta garante que os juros continuarão caindo, mas não se projeta queda muito abaixo de 14%. O fator perturbador é o petróleo.

O petróleo teve novas altas. A cada novo acontecimento inesperado, sobe mais um pouco. Mesmo quando cai, estabiliza-se em um patamar mais alto. Nos últimos dias, bateu em US$75, o maior valor dos últimos tempos. Está quase chegando aos US$80, que é o valor, nos preços de hoje, a que ele chegou no pior momento da segunda crise do petróleo. Há vários motivos para que a pressão altista continue: um deles é o aumento da demanda que, nos últimos anos, foi mesmo impressionante; outro é que os países produtores confirmaram a sina de serem complicados. Agora o que pesa é o recrudescimento da crise da Coréia, novos problemas no Irã e estoques americanos muito baixos. Para completar, está chegando a temporada dos furacões no Golfo do México.

A médio prazo, há duas forças baixistas: o aumento da oferta de produtos alternativos, como os biocombustíveis, que a alta de preços do petróleo torna viáveis economicamente, e a pressão pelo uso de combustível limpo. A curto prazo, é o velho petróleo mesmo que será demandado. A dúvida em relação à conjuntura brasileira é se, em algum momento, esse aumento dos preços da matéria-prima vai virar reajuste dos derivados no mercado interno. O último aumento foi em outubro do ano passado, quando o petróleo estava em US$64. A queda do dólar tem permitido postergar o reajuste - para a sorte dos estrategistas da reeleição - mas isso não explica o não aumento. Se explicasse, deveria valer o mesmo para o querosene de aviação, que tem aumentos quinzenais, e para o óleo combustível. Em algum momento, os preços dos combustíveis serão revistos e isso baterá na inflação.

O Brasil acumulou uma taxa muito baixa de IPCA no primeiro semestre: 1,54%. Inflação de país normal; o que é extraordinário para um país com a nossa história. O custo disso tem sido elevado: os juros altíssimos e o câmbio em queda. A fraqueza do dólar tem efeitos colaterais, como o de agravar a crise agrícola, o que pode ter impactos futuros, como queda da oferta de alimentos, tanto para o mercado interno quanto para a exportação. Mas neste ano a tendência é de inflação abaixo da meta de 4,5%.

Inflação baixa levará à continuação da queda das taxas de juros. Na semana que vem, haverá nova reunião do Copom e a expectativa do mercado é de um novo corte de meio ponto percentual. Uma redução assim levará a taxa de juros a ficar abaixo de 15%, o que é o nível mais baixo desde o fim 1997. Isso denota como o Brasil tem sido um país anormal em matéria de política monetária. Uma taxa como essa, que já é alta em situação de crise, nós só a alcançamos num momento em que há várias boas notícias, como uma das menores taxas de inflação da nossa história. Os juros reais continuam em dois dígitos.

Juros altos, mas em queda, inflação baixa e em queda e dólar estável formam um tripé que dá tranqüilidade para a passagem do período do debate eleitoral. O mercado não teme mudanças na política econômica e só temeria se houvesse alta forte nas pesquisas da candidata Heloísa Helena, que está prometendo baixar os juros por ordem presidencial para 6% no dia seguinte à sua posse. Isso é tão ineficaz que só se pode prometer mesmo quando o candidato não tem viabilidade eleitoral. O que o mercado deveria temer é a falta de compromisso fiscal do candidato favorito. Ele aumentou os gastos de forma populista e eleitoreira nos últimos meses. A farra de distribuição de benefícios sociais mostra essa irresponsabilidade. Que método de verificação da necessidade do benefício, que critério de concessão foi seguido para distribuir, num único mês, 1,8 milhão de novos benefícios do Bolsa Família? Os programas de transferência de renda direta sempre foram elogiados pelo Banco Mundial e por especialistas em combate à pobreza. O Bolsa Família perdeu qualidade e está virando um reles instrumento clientelista e eleitoreiro. O que o mercado financeiro sempre teme são as ameaças de mudanças drásticas das regras do jogo. O que deveria temer são as decisões cotidianas que vão lentamente minando a responsabilidade fiscal.

Ao vetar o aumento de 16,6% das aposentadorias acima de um salário mínimo, o presidente Lula disse que não seria irresponsável na área fiscal. Nesse específico ponto ele fez o que precisava ser feito, e a oposição fez o papel do irresponsável. A oposição, que já governou o Brasil e sabe exatamente que esse reajuste não era factível, votou para preparar uma armadilha. O que está errado é a frase de Lula a seu próprio respeito, porque, em várias outras decisões dos últimos tempos, escolheu o caminho oposto e adotou medidas que terão efeitos permanentes sobre as contas públicas.

A conjuntura de curto prazo continua com boas notícias, mas as preocupações fiscais estão cada vez mais presentes no horizonte da economia brasileira.