Título: Os flagelos do Sul
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 14/07/2006, Economia, p. 28
O Sul está em outro país, diferente daquele Brasil das estatísticas e análises otimistas. A Região Sul está em recessão há dois anos e provando que vários raios podem cair no mesmo lugar: uma seca devastou a agricultura, a indústria se encolheu, os reservatórios das hidrelétricas estão com apenas 29% da sua capacidade, o câmbio baixo está empurrando a região para o buraco, o comércio não vende.
A região de Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, é um exemplo do efeito dominó das crises somadas. Lá estão duas fábricas de máquinas agrícolas, a Agco, da Massey Ferguson, e a John Deere. São as maiores indústrias de tratores e colheitadeiras do Brasil, responsáveis por 40% do que é produzido no país. A crise da agricultura, provocada pela seca no Sul e pelo câmbio baixo, afundou a região. As vendas despencaram e as fábricas estão paradas há 60 dias. Em volta das empresas, instalaram-se 15 indústrias metalúrgicas que fornecem para as fábricas de máquinas agrícolas. Forneciam. Elas também pararam e dez mil metalúrgicos foram demitidos. O produtor de soja da região está descapitalizado pelo câmbio e não consegue consumir. O comércio não tem conseguido vender.
¿ Há dois anos estamos em crise, mas nos últimos 60 dias a situação é catastrófica ¿ diz o deputado Osmar Terra, do PMDB gaúcho.
Não é conversa de político e não é apenas Santa Rosa, ou Horizontina, ou Santo Ângelo, cidades próximas. As estatísticas confirmam que todo o Sul está em crise, e o Rio Grande do Sul está em recessão há dois anos. A consultoria MB Associados vem alertando há meses que o crescimento no Brasil está assimétrico: o país cresce muito no Norte, tem bom crescimento no Nordeste e no Sudeste e despenca no Sul.
¿ Em 2005, o PIB gaúcho caiu 4,8% ¿ disse Sérgio Vale, da MB.
Bom no Oiapoque, ruim no Chuí: esse é o resumo dos dados do IBGE. Na Pesquisa Mensal de Comércio, com os dados referentes a abril, o Brasil teve, no acumulado de 12 meses, vendas crescendo 5%. No Norte e no Nordeste, cresceram 16% e 18%; no Centro-Oeste, 7%; no Sudeste, 6%; e no Sul caíram 0,5%.
A produção industrial caiu no Paraná em 4,3% nos cinco primeiros meses do ano. Em Santa Catarina, houve queda de 0,7% e, no Rio Grande do Sul, a queda foi de 3,2%. No país, a produção industrial cresceu 3,3% no mesmo período.
A MB Associados estava ontem comparando os números para uma nota a ser divulgada hoje, com um dado interessante.
¿ É curioso: a indústria de calçados teve queda na produção no Brasil inteiro, mas as vendas cresceram em São Paulo e no Nordeste. Já no Sul, estão em queda tanto produção quanto venda ¿ conta Vale.
A queda da produção tem a ver com o aumento das importações de 14% nos 12 meses terminados em março. A das vendas é reflexo do resto da economia.
Ricardo Wirth, produtor de calçados gaúcho, dá seu exemplo: ele já demitiu 150 funcionários e reduziu em dois mil a sua produção de pares.
Há várias crises na região. Uma delas, por fatores naturais. O ONS informa que os reservatórios do Sul estão com água num nível de apenas 29% (no Sudeste, estão em 80%). Nesta época, deveria estar chovendo, mas as chuvas são de apenas 20% da média normal. É o segundo ano de seca.
Desde fevereiro, o ONS está aumentando a transferência de energia para o Sul; dois terços do consumo de energia são supridos pela energia que sai do Sudeste. É como se a região vivesse agora a crise de energia que o Brasil viveu em 2001.
Mas não são apenas flagelos naturais. Numa economia em crise, o câmbio baixo está piorando tudo.
Um exemplo é que as fábricas de máquinas agrícolas estão paradas e o país está importando tratores da China. É bom lembrar que a moeda brasileira se valorizou 25% nos últimos 3 anos, enquanto a China impede por decreto o dólar de perder valor, mesmo tendo o maior superávit comercial do mundo.
¿ Estão chegando os Green Horse, um trator chinês com tecnologia dos anos 40 ¿ diz Osmar Terra.
Ele acha que o câmbio está sendo o principal flagelo neste momento:
¿ Queremos o verdadeiro câmbio flutuante. Com esses juros e essas medidas, como reduzir imposto sobre entrada de capital estrangeiro de curto prazo, o dólar caiu mais. O produtor agrícola não consegue pagar as contas.
A indústria têxtil também está enfrentando competição estrangeira: as importações cresceram 20% nos últimos 12 meses terminados em março. O setor moveleiro na Serra Gaúcha já demitiu 10 mil pessoas.
Paulo Tigre, presidente da Fiergs, confirma a crise:
¿ O Índice de Desenvolvimento Industrial, medido por nós, há 15 meses não cresce. No mês de maio, a queda foi de 6,2% e, nos primeiros cinco meses do ano, 17 mil empregos formais foram perdidos. O agronegócio corresponde a 30% do PIB gaúcho. A seca de 2005 destruiu 70% da safra (sobretudo soja e trigo); os agricultores já entraram descapitalizados em 2006.
O frango chegou a começar a melhorar seu preço em dólar, mas aí veio a gripe aviária e agora a doença de Newcastle.
O país está de novo dividido em dois brasis. Mas, agora, o Brasil com seca e crise fica no Sul.