Título: Trunfo poderoso
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Fonte: O Globo, 15/07/2006, Opinião, p. 6

Sintoma da grave crise de segurança pública em que se encontra o país é o envolvimento de advogados com a criminalidade. Um profissional que vive das leis e adere ao banditismo equivale ao policial que se vicia a receber propinas de quem deveria prender. Essa degradação profissional começou a ficar visível com a expansão do tráfico, a partir da década de 80. Atividade criminosa com grande capacidade de movimentar dinheiro, o tráfico abriu generosos guichês para subornar agentes do poder público e pagar por serviços extras, e ilegais, de advogados.

Com as prerrogativas que a profissão lhes dá, advogados passaram a ser pombos-correios e elo entre chefões presos e respectivas quadrilhas. Há casos relatados de entrada em presídios de armas, drogas e telefones celulares por meio desses profissionais.

Agora, com o agravamento da situação em São Paulo ¿ a parte no momento mais visível da crise nacional ¿ ficou evidente a perniciosidade do advogado criminoso. O ciclo de terror imposto pelo banditismo aos paulistas tem origem no sistema penitenciário, na luta entre o poder público e a organização criminosa local, o PCC, para enquadrar na prisão os chefes dessa quadrilha.

Não é por acaso que a maioria dos 34 advogados sob investigação na CPI das Armas é suspeita de ter ligações com o PCC. Para uma quadrilha que atua em presídios, advogados desonestos são um trunfo poderoso. Três deles levaram o recado para a execução do plano de ataques.

A Ordem dos Advogados, a OAB, porém, resiste à revista dos filiados na entrada e saída dos presídios. Os advogados se submetem sem reclamar a detectores de metal e a aparelhos de raios X nos aeroportos. Mas se opõem à mesma revista nas cadeias.

A OAB costuma citar números de punições de associados para provar que não compactua com os maus profissionais. Ora, não passa pela cabeça que pudesse. A Ordem precisa é ir além, debelar o corporativismo e admitir que a vigilância sobre o advogado é crucial para o Estado recuperar o controle sobre presídios, ponto estratégico nesse mundo do crime.