Título: QUESTÃO DE ORDEM
Autor: Nelson Vasconcelos
Fonte: O Globo, 18/07/2006, Economia, p. 24

Não é nada, não é nada, o governo Lula chega ao seu último semestre. Se houver prorrogação de mais quatro anos, seus ministérios terão mais tempo para tornar verdade uma das primeiras metas traçadas pelo presidente, tão logo tomou posse: tirar as exportações brasileiras de software do patamar de US$100 milhões/ano e levá-las a US$2 bilhões/ano até 2007. Ou seja: até ano que vem.

Considerando que nossas exportações no setor, na melhor das hipóteses, estão entre US$178 milhões e US$300 milhões (de acordo com a métrica da fonte), lamento dizer que a meta oficial foi para o vinagre. Mas como a política industrial brasileira, em qualquer setor, parece ser uma questão teológica, vamos ter fé.

Uma das ações importantes para ajudar o governo nessa provação terá lugar semana que vem, aqui no Rio, durante um seminário sobre compras públicas de software e de serviços de tecnologia da informação. A idéia é apresentar estudos encomendados pela Associação das Empresas brasileiras de Tecnologia da Informação, Software e Internet (Assespro) a respeito desse mundão competitivo e aceleradíssimo.

Um ponto importante na discussão é sobre como a licitação de software influencia o mercado. Vamos lembrar que o governo é responsável por cerca de 40% das compras do setor, ou seja, está longe de ser desprezível. Só que, também sabemos, lidar com os representantes oficiais ¿ em âmbito municipal, estadual ou federal ¿ não é exatamente refresco. Em relação aos editais, a legislação vigente facilita tremendamente a vida das empresas grandes, enquanto as menores (que são a maioria) saem prejudicadas.

Quando um edital não permite a formação de consórcios, por exemplo, está favorecendo as gigantes, que têm bala na agulha para entrar em concorrências, sem considerar que a livre associação de empresas em projetos específicos é uma das características do mercado de software.

Outro recurso curioso é o edital exigir a entrega de determinado produto para, digamos, dez dias após a ¿assinatura do contrato¿. Ora, é impossível que qualquer projeto decente de software seja entregue tão rapidamente. A não ser que... uma empresa possa dedicar-se a ele antes mesmo de vencer a licitação, queimando recursos próprios ¿ algo de que dificilmente as empresas menores dispõem. Não por acaso, de vez em quando encontramos aqueles casos curiosos, em que a implementação de determinado software, caríssimo, consome uns longos anos, somente nos ajustes ¿ pois fora entregue meio capenga.

Há quem diga que existe por parte do governo um certo descaso com o setor de software ¿ enquanto, por outro lado, consegue alavancar o setor de hardware (corte de impostos, por exemplo). Dar importância maior ao setor de hardware é um ¿desvio¿ bastante comum, em vários setores. E, se não é descaso, dizem críticos, trata-se mesmo de desconhecimento a respeito dessa indústria ¿ o que também seria imperdoável em se tratando de um governo que diz tratar o software como um setor estratégico.

Mas a vida corporativa tem dessas manhas, e o seminário da Assespro certamente vai discutir como melhorar ou estancar essas sangrias. Entre outros, serão abordados temas como ¿O poder de compra governamental pela ótica empresarial¿; ¿Iniciativas de governo como comprador de software¿ e ¿A legislação de licitação vigente e a sua aplicabilidade para o software¿. Ou seja: tem tudo para provocar discussões sérias e, tomara, que resultem em ações mais diretas por parte do governo federal.

De acordo com o presidente da Assespro Nacional, Ricardo Kurtz, a entidade não pretende ficar espinafrando o governo, mas fazer sugestões para que a coisa vá adiante.

¿ Em vez de apenas reclamar da legislação, queremos apresentar alternativas jurídicas que ajudem os gestores públicos na hora de adquirir produtos e serviços de tecnologia da informação, com mais transparência e eficiência, e garantindo um ambiente competitivo e saudável para todos os envolvidos ¿ disse Kurtz, dia desses.

Então fica o recado: o seminário será no auditório do BNDES, na Av. Chile, Centro do Rio, a partir de 9h. No fim do mesmo dia, a Assespro vai comemorar suas três décadas de atividades entregando o Prêmio Personalidade 30 anos, contemplando algumas boas cabeças que têm contribuído ¿ e resistido ¿ com a indústria de tecnologia do país. É o caso, entre outros, do professor Carlos Lucena, da PUC, Mauricio Mugnaini, Benito Paret, Sergio Rosa etc. etc. Haja gente boa.