Título: Aprimorando o ajuste fiscal
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 09/09/2006, O País, p. 4

Existem no Congresso diversos projetos de lei que regulamentam a Lei de Responsabilidade Fiscal que nunca foram apreciados, o que limita o processo de ajuste fiscal. Depende da Câmara, por exemplo, a aprovação do Conselho de Gestão Fiscal, previsto para melhorar a transparência e a fiscalização, além de evitar as maquiagens orçamentárias. O economista José Roberto Afonso, um dos responsáveis pela criação da LRF e que assessorou José Serra na Prefeitura de São Paulo, diz que ¿foi por reduzir a gestão fiscal à mera gerência do caixa que, no limite, se acabou falindo com a maior cidade do país¿. Segundo ele, o problema das finanças públicas municipais de São Paulo teria sido reduzido ¿se a prefeitura tivesse sido obrigada a divulgar mensalmente, devidamente auditados, seus balanços e demonstrações financeiras detalhadas¿.

Ele propõe no seu estudo sobre choque de gestão, como ¿mais eficaz e imediato¿, aprovar a lei que limita a dívida mobiliária federal, em vez de ¿sonhar¿ com a independência do Banco Central. Pela proposta, caberia ao Senado fixar o limite da dívida consolidada da União, ¿desatando o nó que infla a dívida estadual e a municipal para reduzir a federal¿.

Uma reforma possível, sugere Afonso, seria recuperar a idéia de criação de um Código de Finanças Públicas, que reuniria todos os princípios, regras e normas que regulam os processos de planejamento, orçamento, contabilidade e gestão financeira e patrimonial da administração pública.

¿Concentrando a normatização em um só ato, seria mais fácil formar uma espinha dorsal do regime fiscal, de modo a harmonizar e sistematizar os seus diferentes aspectos, e procurando evitar os casuísmos reinantes¿, comenta Afonso.

O Conselho de Gestão Fiscal seria o órgão regulamentador e o local de debates e negociações. Ele sugere, para melhorar a transparência fiscal no país, um passo ousado: a criação de um sistema único e nacional de informações fiscais, de modo a reunir em um só espaço todos os documentos, balanços e relatórios exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, pela lei orçamentária e por outros atos legais.

Tal sistema, sugere Afonso, seria operado na forma de rede pelos tribunais de contas, responsáveis formais que são pelo controle das contas e coisas públicas, com apoio e infra-estrutura prestada pelo Executivo Federal e acesso pela internet, público e ilimitado, de modo que ¿qualquer pessoa interessada em conhecer as contas de um determinado governo saberia onde consultar, inclusive podendo comparar com as de outras unidades¿.

Além da completa regulamentação da LRF e do avanço no processo de reforma orçamentária e de controle, ¿é preciso ter claro que tais mudanças precisam integrar um ciclo maior de reformas institucionais¿, ressalta o economista. Se a reforma tributária, por exemplo, continuar a ser tratada isoladamente, Afonso acha que ela ¿tende a ficar circunscrita a poucos impostos e sem enfrentar as questões essenciais¿.

Como ¿questões essenciais¿ ele ressalta as mudanças na seguridade social, ¿inclusive abordando a espinhosa questão previdenciária¿, e mudanças na própria Federação, ¿agora com o gasto posto também na mesa dos debates¿. José Roberto Afonso acha que é no campo tributário que podem ser tomadas ¿as medidas mais concretas e eficazes para restringir a expansão do gasto público e, se for o caso, iniciar sua redução¿.

Uma série de medidas seriam necessárias: restringir o uso de medida provisória para tratar de matéria tributária; dar o mesmo tratamento de impostos às contribuições e demais formas de tributos; e iniciar o desembarque gradual da CPMF e também da Desvinculação de Recursos da União (DRU), criada em 1994, que permite ao Executivo manobrar 20% de todos os impostos e contribuições federais. Esse seria ¿o atalho mais curto para, primeiro, frear a criação de gastos e, segundo, se possível, iniciar sua redução¿.

No mesmo intuito de promover um novo ciclo de reformas, Afonso cita a proposta do Ipea de trocar metas de superávit primário por poupança do setor público. ¿Desde que ficou mais fácil e sedutor criar e majorar tributos federais não compartilhados, as contribuições, o gasto público iniciou sua escalada no país ¿ e não apenas puxado pelo incremento das taxas e das despesas com os encargos da dívida pública¿, lembra Afonso, sem evitar o fato de que foi no governo do PSDB que essa prática começou.

Para ele, ¿a rigidez orçamentária é apenas a febre, o sintoma da doença, mas não é a causa da infecção, o determinante do descontrole do gasto e das finanças¿. Seria preciso ¿dificultar a majoração e o uso das receitas, para forçar uma revisão do padrão de gasto¿. Segundo o economista do PSDB, a ¿regra de ouro¿ para controlar o gasto é o princípio da compensação financeira: ¿uma expansão permanente de gasto, ou uma redução permanente de receita, só deveria ser aprovada se quantificada e, o principal, se devidamente compensada por uma redução duradoura de outro gasto ou uma criação também duradoura de receita¿.

Mas ele lamenta que, embora existam determinações nesse sentido em diversas leis, e mesmo na Constituição, geralmente elas são ¿esquecidas¿ quando interessa aos governantes. ¿Um dos desafios mais prementes da agenda fiscal é trocar o campo da verificação posterior dos gastos pela sua prevenção. Mais importante que impor metas irrealistas ou prorrogar medidas transitórias que produzem efeito inverso do esperado é assegurar a operacionalidade do princípio da compensação¿, conclui José Roberto Afonso.