Título: ADVERSÁRIA NOVATA FAZ SARNEY SUAR A CAMISA
Autor: Chico de Gois
Fonte: O Globo, 10/09/2006, O País, p. 13

Ex-presidente da República sente a concorrência da funcionária pública Cristina Almeida na disputa por vaga no Senado

MACAPÁ. Senador pelo Amapá há 16 anos, José Sarney (PMDB), de 76 anos, ainda enfrenta a pecha de estrangeiro na terra onde tenta conquistar o terceiro mandato para o Senado. Com o apoio de todos os 16 prefeitos do estado, do atual governador, Waldez Góes (PDT), e da maior parte dos deputados estaduais, Sarney lidera as pesquisas. Mesmo com esse exército, mais três minutos no horário eleitoral gratuito e uma boa arrecadação para a campanha ¿ R$1,090 milhão ¿ uma novidade na eleição do Amapá tem obrigado o ex-presidente da República a gastar sola de sapato.

A surpresa se chama Cristina Almeida, uma jovem, negra, funcionária pública, que nunca disputou uma eleição e quer tirar do ex-presidente a vaga de senador pelo estado que tem o menor eleitorado do país. Seu partido, o PSB, não está coligado com ninguém, dispõe de apenas um minuto no rádio e na TV e arrecadou, até setembro, somente R$25 mil.

Oposição diz que casa do senador é uma fachada

Segundo pesquisa Ibope realizada entre 24 e 27 de agosto e divulgada dia 29, Sarney tem 50% das intenções de voto. E Cristina, ex-superintendente do Incra, 29%. Não que a eleição do ex-presidente já esteja comprometida, mas o desempenho da concorrente, nada mau para uma estreante, alertou Sarney.

A ascensão de Cristina se dá escorada em João Capiberibe (PSB), que governou o estado de 1995 a 2002, elegeu-se senador e acabou cassado no ano passado, acusado de compra de votos. Capi, como é chamado, é o maior adversário de Sarney. Na corrida para o governo, tem 39% dos votos. Waldez Góes, da coligação de Sarney, soma 48%.

O crescimento da candidatura de Cristina preocupou as hostes sarneysistas, embora ninguém admita. Na sexta-feira, enquanto a reportagem do GLOBO aguardava na varanda da casa do senador para entrevistá-lo, um assessor conversava por telefone com um deputado.

¿ Parabéns pelo filho ¿ disse o assessor, logo acrescentando: ¿ Não, não se preocupe, essa pesquisa não é atual. Nós voltamos a nos recuperar. A realidade agora é outra.

Na mesma sexta-feira, Sarney, camisa branca, calça social, gravata e suspensórios, recebia taxistas, negros, candidatos e populares na casa que comprou em Macapá, no bairro de Nazaré. A casa, que os opositores dizem ser uma fachada, é guardada por dois homens armados e carece de pintura nova. Flores sucumbem no jardim.

Sarney minimiza a situação:

¿ Nunca estivemos tão bem. Na outra eleição não tínhamos o apoio de todos os prefeitos, como agora, além de lideranças e formadores de opinião.

Na TV, Sarney é exibido como o político que deu prestígio ao estado e se mostra próximo ao presidente da República:

¿ Consegui com Lula uma escola técnica ¿ diz na TV.

O animador do carro de som que acompanha Cristina esforça-se para demonstrar que Sarney não é da terra:

¿ Ele não sabe o que é maniçoba, não entende da dança dos marabrás, nem sabe onde se come o melhor camarão.

O senador, 50 anos de vida pública, ignora as críticas:

¿ Isso é coisa de campanha.

Mas, diferentemente de outras eleições, Sarney tem sido visto nas passarelas (pontes de madeira que levam às casas pobres), em caminhadas pelo centro, como fez sexta-feira. Em 1998, foi eleito com 97.466 votos, ou 27,95% dos válidos. Mas o eleitorado quase duplicou: de 213.289 eleitores para 360.614. E a oposição, que cresceu, diz que Sarney resolveu fazer campanha porque sentiu a água do Rio Amazonas nos joelhos.