Título: AGRADOS PARA 43% DOS ELEITORES
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 17/09/2006, O País, p. 3

Medidas de Lula só este ano atingem 59 milhões de pessoas, com aumento de R$16,5 bi nos gastos

Um conjunto de medidas adotadas pelo governo neste ano eleitoral tem impacto na vida de 59,4 milhões de brasileiros, 31,7% da população. Favorecido pelos sucessivos recordes na arrecadação de tributos e determinado a manter o superávit primário estritamente na meta de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia realizado uma gestão austera nos três primeiros anos de mandato, reservou para o último um cardápio de medidas com custo adicional de R$16,5 bilhões aos cofres públicos.

Considerando os brasileiros adultos beneficiados com as medidas anunciadas pelo governo Lula em 2006, o número cai para 54,5 milhões e corresponde a 43% do eleitorado.

A maior parte das medidas adotadas em 2006 é voltada para as classes de menor renda, como o aumento real do salário mínimo e a ampliação do número de beneficiários do Bolsa Família, mas também há benefícios para a classe média e setores formadores de opinião, como os funcionários públicos. Os reajustes diferenciados anunciados este ano beneficiaram 1,7 milhão de servidores civis e militares do Executivo, com custo adicional de R$6,2 bilhões no Orçamento deste ano e R$10,7 bilhões em 2007.

Nos primeiros três anos de mandato, com Antonio Palocci no Ministério da Fazenda e a equipe econômica pautando-se pela austeridade, os reajustes para o funcionalismo se restringiram a poucas categorias, a maior parte resultado de acordos para pôr fim a greves. Em 2006, porém, houve ampla reestruturação de carreiras, o que garantiu reajustes diferenciados de até 190% a 33 categorias. O governo diz que as negociações com os servidores só foram concluídas este ano.

O reajuste do salário mínimo de 16,67% em 2006, 13,04% acima da inflação, é o maior da gestão Lula. Nos primeiros dois anos de governo, o aumento real do mínimo foi de 1,23% e 1,19%, respectivamente. Em 2005, o reajuste ficou 8,23% acima da inflação. Com a elevação do mínimo para R$350, o presidente candidato à reeleição atingiu 39,4 milhões de brasileiros, considerando os trabalhadores em atividade e os aposentados do INSS que recebem um salário mínimo. O impacto da medida nos cofres públicos em 2006 chegará a R$7,1 bilhões, além do que estava reservado originalmente no Orçamento.

Inflação baixíssima potencializa ganhos

Os 8,1 milhões de aposentados e pensionistas que recebem acima de um salário mínimo foram beneficiados por um reajuste de 5% em 2006, 1,86% acima da inflação. Nos primeiros três anos de mandato, o reajuste ficou restrito à inflação, como determina a lei.

Para o cientista político Fernando Abrúcio, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as medidas têm efeito sobre a opinião do eleitor, especialmente nas camadas de menor renda. Ele considera que Lula está sendo beneficiado por um cenário que combina crescimento razoável, embora abaixo do desejado, com inflação baixíssima, o que potencializa ganhos com o aumento real do mínimo, por exemplo.

¿ O cenário favorece os pobres e favorece o Lula ¿ afirma Abrúcio.

Nas classes de renda mais baixa, a medida de maior visibilidade é o Bolsa Família, que desde junho beneficia 11,1 milhões de famílias com renda per capita de até R$120 ¿ 45,5 milhões de pessoas, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social. Foi antecipada para junho a meta de atendimento prevista para dezembro: o número de famílias foi ampliado em 2,4 milhões, o que representa 9,8 milhões de pessoas. A estimativa é que 4,8 milhões dos beneficiários sejam adultos e o restante, crianças. A mudança resultou em gastos adicionais de R$1,8 bilhão no Orçamento de 2006.

A professora Lúcia Avelar, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), é uma defensora do Bolsa Família como caminho para a erradicação da pobreza, mas reconhece que o programa tem capacidade de fidelizar o voto dessa camada da população que está sendo atendida.

¿ Claro. Isso é inevitável. Programas sociais focalizados têm essa capacidade, mas são programas com grande legitimidade ¿ afirma.

Em relação aos reajustes dos servidores, a cientista acha que essas medidas não são suficientes para garantir o voto no candidato do governo:

¿ São medidas pulverizadas. Não sei se um funcionário mudaria seu voto em função do reajuste no salário.

Antes de assumir o governo, Lula já tinha base no funcionalismo público, em parte pela política de ¿pão e água¿ do governo anterior. Fernando Abrúcio acredita que Lula continua muito bem avaliado nesse segmento, em parte pelo impacto dos reajustes. Mas, para ele, o favoritismo do presidente decorre de medidas que beneficiaram vários segmentos da população, em especial os mais pobres.

O Programa Nacional de Agricultura Familiar, o Pronaf, é uma linha de financiamento para pequenos agricultores com juros subsidiados. Em 2006, foram assinados 96 mil novos contratos, beneficiando 384 mil pessoas, mas o programa foi ampliado e teve os subsídios elevados. Segundo o secretário de Agricultura Familiar, Valter Bianchini, na safra 2005-2006 foram aplicados R$7,5 bilhões. No governo Lula foram assinados 893 mil novos contratos, e a estimativa é que 4,5 milhões de pessoas sejam beneficiadas.

¿ Os grandes proprietários estão furiosos com Lula, mas os pequenos estão satisfeitos. Programas como o Pronaf têm impacto regional forte ¿ observa Abrúcio.

O programa Luz para Todos, que já beneficiou 4 milhões de pessoas, é outro exemplo de ação que pode render votos para o candidato Lula.

¿ O que pesa na hora do voto é a sensação de bem-estar. O eleitor avalia se está melhor do que estava e se isso vai continuar ¿ diz Abrúcio.

Por essa avaliação, também teria potencial para abocanhar uma parcela do eleitorado ¿ os chamados formadores de opinião ¿ o pagamento das dívidas da União com anistiados políticos vítimas da ditadura militar. Essas dívidas chegam a R$2,2 bilhões e serão pagas em nove anos, mas em 2006 o governo se comprometeu com a liberação de R$400 milhões, beneficiando 6.500 anistiados.