Título: ACHO QUE 2006 AINDA NÃO ESTÁ RESOLVIDO¿
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 17/09/2006, O País, p. 19

Governador de Minas diz que acredita que Alckmin tem chances de ir para o segundo turno e vencer a disputa

Depois de chamar de desagregadora a carta em que o ex-presidente Fernando Henrique faz uma avaliação crítica do PSDB, o governador de Minas, Aécio Neves, assumiu tom mais cauteloso. Mas manda um recado ao partido: vai dialogar com quem quiser e achar necessário. Inclusive com o presidente Lula. É uma resposta aos que querem radicalizar a oposição, linha beligerante da qual discorda e que o preocupa.

Sobre seu projeto presidencial de 2010, avisa que não é o momento para o debate, já que a eleição de 2006 não terminou. Quanto às especulações de que iria para o PMDB, diz que está confortável no ninho tucano.

Em Minas há uma percepção clara de seu projeto presidencial, o que está unindo a maioria dos mineiros em torno de sua reeleição. Há esse projeto?

AÉCIO NEVES: Existe o sentimento do mineiro de que haja um reequilíbrio da federação, de que o estado possa voltar a ter influência como teve tradicionalmente na vida republicana brasileira. Mas uma das artes da política é saber administrar o tempo. Eu não tenho que ter pressa para absolutamente nada. O presidente Tancredo Neves costumava dizer: ¿Presidência é muito mais destino do que projeto¿. Minha maior contribuição no momento é fazer de Minas um grande laboratório de gestão pública para o país.

No Planalto fala-se abertamente da possibilidade de aliança entre o senhor e o presidente Lula num eventual segundo governo, inclusive de sua ida para o PMDB. Nesse caso, o senhor uniria o PMDB em torno de um projeto de poder?

AÉCIO: Não tenho um projeto presidencial próprio. Eu tenho um projeto de país que quero ajudar a construir. E é no PSDB que vejo as melhores condições de contribuir para esse projeto. Agora, do ponto de vista administrativo e institucional das reformas, o que eu puder ajudar para cumprir o ideário do próprio PSDB, independentemente de quem esteja à frente do governo federal, vou fazer com absoluta tranqüilidade.

Mas o senhor acha isso possível com o clima beligerante da política neste momento?

AÉCIO: Esse clima de guerra tem sido perverso para o país. Talvez esta seja a única angústia que eu trago na alma. Falta arte na política. Alguém que seja o seu adversário político não precisa ter apenas defeitos. E alguém que seja seu eventual aliado não tem que estar absolvido de pecados. O papel da oposição é de criticar e fiscalizar. Mas nas democracias avançadas também cabe à oposição o papel de dialogar. Neste momento, o gesto deve vir do presidente da República. Mas a oposição também tem responsabilidades. Temos que ter generosidade e deixar para um segundo plano os projetos pessoais para construir um projeto de país. O que existe hoje é um projeto de poder em disputa.

Na carta que escreveu ao PSDB, Fernando Henrique deixa clara a necessidade de demarcar o campo de atuação do partido após a eleição. Sua postura conciliadora não se choca com a visão do ex-presidente?

AÉCIO: Em relação a essa carta, eu pretendo aprofundar a discussão após a eleição. A minha prioridade absoluta é a disputa atual. Até porque não quero ser oposição no próximo ano. Mas me permito dialogar com quem tem contribuições a dar ao país, e no momento em que achar necessário. É a minha forma de fazer política. Certamente agrada a uns. Muito provavelmente não agrada a todos.

Diante do noticiário de que há uma boa relação entre o senhor e o presidente Lula, Fernando Henrique disse que o senhor poderia ser um ¿inocente útil¿ nas mãos do PT. Como o senhor avalia a declaração?

AÉCIO: Não acredito que, me conhecendo, ele usasse esses termos. O presidente Fernando Henrique, além de um grande amigo e de ser referência na política brasileira, sempre me respeitou. Entre nós não há dificuldade alguma. Ao contrário.

Mas está cada vez mais clara uma divisão do PSDB para a sucessão de 2010. De um lado José Serra, com o apoio de Fernando Henrique. De outro, Aécio, com o apoio de Alckmin.

AÉCIO: Há um equívoco agudo de avaliação do cenário político. Muitas pessoas estão tratando 2010 como se 2006 estivesse terminado. Não terminou. Por isso, meu esforço em não alimentar discussões que foquem um horizonte ainda tão distante. Acho que 2006 não está resolvido. Temos todas as chances de ir para o segundo turno e vencer. Todo esforço do PSDB, até para desestimular ilações, deve ser centrado na condução da candidatura de Geraldo Alckmin ao segundo turno.

O senhor tem falado da hegemonia paulista na política nacional nos últimos 16 anos. Quebrar essa hegemonia será sua missão dentro do PSDB?

AÉCIO: São Paulo sempre será fundamental para o Brasil e para o PSDB. Em relação ao partido é necessário ser forte em São Paulo, caso contrário o PSDB não existiria como alternativa de poder. O que eu quero é que sejamos fortes em outros estados da federação para o partido ser completo.

Se o projeto de Minas, que é Aécio 2010, for contraditório com o projeto do PSDB, como o senhor vai resolver a questão?

AÉCIO: Vou repetir: nós não terminamos 2006. Mas acho que Minas não tem um projeto de 2010. Minas tem um projeto de ter uma participação mais efetiva nos destinos do país. E pode fazer isso de todas as formas. Não precisa que um mineiro seja presidente da República. Não podemos confundir a manifestação de participar mais das definições nacionais com projetos pessoais de A ou B. E nós temos 2010, 2014, 2018... Qualquer candidatura presidencial tem que ter uma dose razoável de naturalidade. Caso contrário, estará fadada ao fracasso.