Título: A 'TV A GATO' CHEGA AO ORKUT
Autor: Isabela Bastos
Fonte: O Globo, 21/09/2006, Rio, p. 21

Site é usado para divulgação de serviços de pirataria de televisão por assinatura

Depois da pedofilia, da prostituição infantil, do tráfico de drogas, da briga de torcidas, do estímulo ao consumo de bebidas alcoólicas por motoristas e do incentivo a que menores dirijam automóveis, o site de relacionamentos Orkut vem sendo usado para mais uma modalidade de crime: a apologia do furto de sinal de TV por assinatura. O GLOBO localizou pelo menos oito comunidades onde os membros, além de tecerem as vantagens da chamada "TV a gato", ensinam ainda o caminho das pedras para quem não quer pagar pelos canais fechados. O serviço de instalação de conexões clandestinas e a venda de decodificadores e outros equipamentos que desbloqueiam os sinais das operadoras são oferecidos, abertamente, em fóruns de discussão.

Numa das comunidades - batizada de "TV a gato" e ilustrada por um sorridente e rechonchudo gato preto - o texto de abertura da página debocha do crime e alerta os usuários: "Para todos aqueles que adoram TVs pagas às custas dos outros. Pra galera que já fez, faz ou gostaria de fazer um gatinho. Pagar para ver TV não é justo! Cuidado: pirataria é crime. Faça com sigilo." Outra comunidade abre mão de rodeios no título: "Gato de TV a cabo. Eu tenho!"

As oito comunidades reúnem cerca de 2.300 membros, sendo que a maior delas é a " Eu tenho TV a gato", com 1.314 membros. Na comunidade "Gatonet (TV a gato). Assine já!", um participante pede ajuda para a liberação de canais. "Eu tenho pacote simples em casa e quero liberar o resto", diz o rapaz. Outro membro responde: "Isso é fácil, meu amigo. Em que cidade você mora? Qual a sua TV a cabo?" Na mesma comunidade, um usuário avisa que tem para vender decodificadores e receptores de TV por assinatura a R$150. Outro participante comemora: "Aqui em casa temos 98 canais. Pasmem, tudo di (sic) grátis!"

Na comunidade "Eu tenho gato de TV a cabo", um participante anuncia: "Se você mora do Rio e quer colocar um gato de TV, me avisa que eu vejo a possibilidade de colocar pra você." Outro oferece: "Veja todos os canais por assinatura grátis. Eu tenho um esquema de uma plaquinha que, se bem montada, decodifica o sinal de sua TV a cabo e permite que você assista a canais bloqueados."

Mais de 490 mil conexões ilegais

O Sindicato das Empresas de TV por Assinatura (Seta), que representa cerca de 220 operadoras, diz que as conexões clandestinas já chegam a 370 mil em todo o país, somente no sistema de TV a cabo. O número corresponde a cerca de 16% dos 2,5 milhões de assinantes formais. Entre as operadoras de TV por satélite, a estimativa é de que as fraudes já totalizem cerca de 120 mil conexões informais. Nesse caso, explica o coordenador da Comissão Antipirataria do Seta, Antonio Salles, a fraude é comercial, não havendo furto efetivo de sinal. De acordo com o Seta, Rio, São Paulo e Minas Gerais respondem por metade dos "gatos". O furto de sinal dá prejuízo de R$500 milhões ao ano às operadoras. Entram na conta perdas relativas a mensalidades não contabilizadas, danos às redes, furto e roubo de cabos e equipamentos nas ruas.

- No caso das TVs por satélite, a tecnologia digital ainda não foi violada, como ocorre com os cabos. Por isso, os fraudadores agem transformando assinaturas formais em verdadeiras centrais de TV. Isso acontece, por exemplo, em condomínios, que contratam um número definido de assinaturas e depois fazem redes internas, para espalhar o sinal para um número maior de pessoas, diluindo os custos - diz Salles.

O número de clandestinos, segundo o Seta, pode ser ainda maior, uma vez que o sindicato não tem estatística disponível para as operadoras que usam freqüência de rádio MMDS (microondas terrestres). Também não entram na conta as redes clandestinas de TV a cabo, que servem, segundo o sindicato, sobretudo as favelas.

- Temos notícias de redes inteiras de TV a cabo que são clandestinas e servem a bairros aonde o poder do estado não chega. As auditorias das empresas não alcançam essas áreas - afirmou Salles.

A utilização de comunidades do Orkut para incitação ao furto de sinal será assunto da próxima reunião do conselho do Seta, na semana que vem. Segundo Salles, o sindicato já vinha monitorando comunidades e sites de internet que, de alguma forma, fazem apologia do "gato":

- Existe uma infinidade de ofertas de equipamentos na internet. Os fraudadores dão número de conta para depósito. A pessoa recebe um decodificador, objeto de furto ou roubo, ou ainda um equipamento genérico, que não funciona. Muitas vezes, o serviço não é feito. Tudo isso é estelionato. A pessoa que compra não se queixa, porque o ato é, em si, um delito também.

Para tentar conter o avanço da informalidade, o Seta está elaborando um sistema automatizado de rastreamento das conexões clandestinas. O sistema, porém, ainda demorará um ano para ficar pronto. As operadoras, sobretudo as de TV a cabo, também pretendem trocar a tecnologia analógica pela digital, em todo o país, em até cinco anos. O sindicato tem solicitado ainda a sites de leilão online que retirem do ar ofertas de equipamentos e serviços que configurem a prática de pirataria.

- É muito difícil controlar a fraude, porque é o roubo do intangível. Mas preocupa porque se trata de meio de comunicação. Quem rouba pode ir avante e usar a rede clandestina para propagar o que quer que seja - alerta Salles.

O consultor jurídico da NET, Roberto Baptista, afirma que o Rio é um dos estados que mais contribuem para o crescimento das estatísticas de pirataria de sinal da operadora. Segundo ele, as equipes da empresa têm dificuldades em inspecionar diversas regiões da cidade, sobretudo favelas.

- Em muitos casos, os técnicos são ameaçados. O pessoal tem medo de ir a esses lugares - disse Baptista, sem informar os locais.

Comunidade é retirada do ar

'Eu sei dirigir bêbado' contava com quase 14 mil participantes

O Ministério Público estadual (MP) do Rio obteve, anteontem, a primeira vitória contra as comunidades do Orkut que fazem apologia do uso de bebidas alcoólicas por motoristas, conforme foi mostrado pelo GLOBO em reportagem publicada no dia 11 passado. A Google Inc, que administra o site de relacionamentos, retirou do ar a comunidade "Eu sei dirigir bêbado", com quase 14 mil membros, uma das citadas na reportagem. Ontem, o procurador-geral de Justiça do Rio, Marfan Vieira, comemorou a medida, mas disse que a Google terá que criar mecanismos de controle de conteúdo, para evitar o surgimento de comunidades semelhantes:

- A colaboração da empresa é essencial. Não dá para ficar pedindo a retirada de cada comunidade que aparece. Outras surgem, iguais ou até piores.

Marfan Vieira disse ainda que vai fazer um aditamento aos inquéritos civil e criminal abertos por causa da reportagem do GLOBO, incluindo as comunidades que estimulam a prática do furto de sinal de TV por assinatura. Segundo ele, se confirmadas as novas denúncias, os membros das comunidades poderão responder por apologia de fato criminoso, estelionato, receptação, furto de sinal e formação de quadrilha. O GLOBO procurou a Google, por intermédio de sua assessoria de imprensa, mas, até o fim da tarde, não teve retorno.

O autor e os membros da comunidade "Eu Sei dirigir bêbado" também deverão ser indiciados pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), tão logo sejam identificados. A delegada Giselia Miranda solicitou judicialmente à Google dados que identifiquem os participantes da comunidade. A DRCI também já começou a fazer uma investigação nas comunidades que fazem apologia do furto de sinal de TV por assinatura.

Saiba mais sobre a briga judicial

O Orkut é alvo de uma briga travada entre a Justiça e a Google, responsável pelo site que tem hoje cerca de 28 milhões de usuários, 90% no Brasil. O Ministério Público federal em São Paulo acusa a Google Brasil de não colaborar no rastreamento de criminosos que atuam na rede fazendo apologia de pedofilia, prostituição infantil e tráfico de drogas, além de incitação ao ódio. Em 31 de agosto, a Justiça federal concedeu liminar ao MP, dando 15 dias para a empresa fornecer o IP (endereço numérico de um computador conectado na internet) dos usuários suspeitos. Caso contrário, a companhia teria que pagar R$50 mil por ordem não cumprida.

Em 13 de setembro passado, contudo, a empresa ganhou um prazo de mais 15 dias para fornecer os dados. A Google Brasil alega que não tem ingerência direta sobre o Orkut e que o MP deveria se dirigir à matriz, nos Estados Unidos. Mesmo assim, a subsidiária brasileira diz que as ordens estão sendo cumpridas, depois de enviadas à sede. O escritório Noronha Advogados, que representa juridicamente a Google no país, enviou ofício ao MP do Rio anteontem, dizendo que a empresa já está criando "mecanismos automatizados para remover conteúdo inapropriado".