Título: A POLÍCIA INVISÍVEL
Autor: Taís Mendes
Fonte: O Globo, 29/09/2006, Rio, p. 18

Pesquisa mostra que metade dos cariocas com 15 anos ou mais não vê PMs em seus bairros

Metade da população carioca com 15 anos ou mais não vê a PM trabalhando em sua vizinhança. Entre os 4,6 milhões de cariocas nessa faixa etária, 33,2% não confiam na Polícia Militar. Os dados são de uma pesquisa coordenada pela antropóloga Alba Zaluar, do Núcleo de Pesquisa das Violências (Nupevi) do Instituto de Medicina Social da Uerj.

- Isso demonstra que o policiamento ostensivo, importantíssimo na prevenção de vários crimes, não é visto pela população. E, se não é visto, é porque não está presente. É um problema sério para cidade - comentou a pesquisadora.

Na pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Instituto Pereira Passos, foram ouvidos, de setembro de 2005 a junho deste ano, 3.435 moradores da cidade do Rio com idade igual ou superior a 15 anos. Para muitos cariocas, o resultado não surpreende.

- Na rua onde moro, a polícia nunca aparece. Por falta de policiamento, evito chegar em casa após as 22h - disse a estudante Márcia Nogueira e Silva, que mora na Rua Estocolmo, na Ilha do Governador.

Entre os entrevistados, 13,3% declararam que sabem da existência da PM, mas nunca a viram na sua vizinhança. Já a Polícia Civil, que não tem a tarefa de fazer o policiamento ostensivo, mas sim de investigar crimes, não é vista por 76,3%.

Reportagem do GLOBO publicada em julho revelou que, num percurso de 115 quilômetros de ruas e avenidas do Leblon a Bangu, passando por mais de 40 bairros, só 41 veículos da polícia foram encontrados - em média, um por bairro. Em agosto, outra reportagem mostrou a falta de policiamento na orla de Copacabana na semana em que um turista português foi assassinado por um ladrão na praia.

PM não é eficiente, na opinião de 26,9%

Na avaliação do cientista político Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, o resultado pode significar que a população quer um patrulhamento ostensivo maior.

- Acho que esse resultado mostra que a população quer mais policiais nas ruas do que está vendo.

A pesquisa mostra que a Polícia Militar é vista como nada eficiente por 26,9% da população carioca com idade igual ou superior a 15 anos. Outros 30,1% acham a polícia pouco eficiente e 5,8% a consideram muito eficiente.

- Quando fui assaltado, há um ano, nem chamei a polícia. O que adiantaria? Só ia perder meu tempo - disse o veterinário Eduardo Menezes, de 36 anos, que teve um laptop roubado na Avenida Rio Branco, no Centro, por um grupo de jovens.

Entre os entrevistados, 5,4% declararam ter um parente assassinado, 5,8% perderam amigos e 4,7%, vizinhos. Segundo o levantamento, as pessoas brancas têm menos parentes assassinados do que as pretas e pardas.

- O curioso é que o percentual de pessoas com parentes assassinados dobra, quando os entrevistados avaliam como ruim a estrutura para lazer e esporte nos lugares onde vivem - comentou Alba Zaluar.

A pesquisa também avaliou o percentual da população vítima de agressões. Dos 3.435 entrevistados, 9,7% já foram agredidos fisicamente, sendo 2,3% nos últimos 12 meses. As mulheres são mais agredidas na idade reprodutiva, a partir dos 20 anos. Já os homens são mais agredidos na faixa dos 15 aos 19 anos.

- Enquanto entre os brancos há um percentual mais alto de vítimas de roubo, pretos e pardos são mais agredidos. Mas as mulheres foram mais agredidas do que os homens nos últimos 12 meses - destacou a pesquisadora

Das mulheres agredidas, 68% foram atacadas por parentes e, destas, 89% por homens. Já entre os homens, 52% foram agredidos por amigos ou vizinhos. Destes, 98,9% por outro homem.

Assaltantes atacam 1 em cada 4 moradores

Segundo levantamento, 60% dos roubos ocorrem nas ruas e 27%, no transporte coletivo

Um em cada quatro cariocas com 15 anos ou mais já foi assaltado no município do Rio. De acordo com a pesquisa da Uerj, 26,2% dos entrevistados declararam ter sido vítimas do crime. O levantamento revelou ainda que quase 60% dos roubos foram praticados nas ruas e 27%, em meios de transporte coletivo.

A estudante Patrícia Braga, de 25 anos, faz parte dessa estatística. Há oito meses, ela foi abordada por dois homens armados, quando chegava com seu carro em casa, na Tijuca. A estudante ficou cerca de meia hora em poder dos bandidos.

- Por sorte, não fizeram nada comigo. Queriam só o carro e me levaram de garantia. Depois, me soltaram a um quilômetro de casa - contou.

Segundo pesquisa, ladrões atacam mais os jovens

O roubo, segundo Alba Zaluar, não é democrático: pardos e mulheres brancas são mais assaltados. E, quanto maior a escolaridade da vítima, maior é a incidência de assalto:

- O roubo atinge mais os jovens, provavelmente porque correm mais risco. Os mais velhos se protegem mais, evitando sair à noite.

Segundo o levantamento, 6,2% dos entrevistados foram vítimas de roubo nos últimos 12 meses e 1,47% já tiveram a residência invadida no mesmo período. Este segundo crime ocorre mais (3,60%) em áreas onde há imóveis abandonados na vizinhança. Onde não há, o percentual de invasões de residência cai para 1,13%.

Entre as mulheres entrevistadas, as que ganham de sete e 11 salários mínimos foram as que mais sofreram roubos (13,6%) nos últimos 12 meses.

- Esse dado chama a atenção. Estou querendo investigar quem são essas mulheres, se são jovens, se são brancas - disse a antropóloga.

Uma delas é a dentista Valéria Borges, de 35 anos, assaltada há um mês no Centro do Rio. Ela teve a carteira roubada quando estava num ponto de ônibus.

- Eu aguardava o ônibus quando um menor me ameaçou com uma faca. Entreguei a carteira sem tentar reagir - contou.

Já a estudante Juliana Lima, de 20 anos, faz parte dos 22,1% ouvidos pela pesquisa que já tiveram bens furtados. Entre esses furtos, 6,1% aconteceram nos últimos 12 meses.

- Nem percebi quando levaram minha carteira. Acho que foi dentro do ônibus. Só notei que tinha sido vítima de furto quando cheguei em casa - contou Juliana.

Furtos e roubos ocorrem mais em dias úteis

O caso aconteceu numa segunda-feira, às 14h, comprovando mais um dado do levantamento: 36,9% das vítimas entrevistadas sofreram o furto em dias úteis e à tarde. A maior parte dos roubos (31,6%) também aconteceu em dias úteis, à tarde.

- O resultado surpreendeu. Ao contrário do que se possa imaginar, à noite e nos fins de semana o número de ocorrência de furtos e roubos é menor - destacou Alba Zaluar.

De acordo com a pesquisa, brancos, pretos e pardos são vítimas de furto na mesma proporção. Nos últimos 12 meses, os homens sofreram mais esse tipo de crime do que as mulheres. Os que chegam ao ensino universitário são vítimas preferenciais. Ainda segundo a pesquisa, 9,3% dos cariocas com renda familiar entre 11 e 16 salários mínimos foram os que mais sofreram furtos nos últimos 12 meses.

Saiba mais sobre o trabalho

A pesquisa de vitimização tem como objetivo avaliar o risco que as pessoas correm, dependendo de seus hábitos. O trabalho tomou como base a população de 4,6 milhões de pessoas com idade de 15 anos ou mais, residentes na cidade do Rio de Janeiro, segundo o Censo do IBGE. A amostra domiciliar teve a participação de 3.435 pessoas, que responderam a um questionário de 50 páginas, entre setembro de 2005 e junho deste ano.

Quarenta pessoas trabalharam na aplicação dos questionários, respondidos por moradores de diferentes bairros da cidade. Segundo os pesquisadores, a maior recusa para participar foi registrada na Zona Sul. A antropóloga Alba Zaluar acredita que a recusa representa a falta de confiança da população de renda mais alta nas políticas de segurança.

O trabalho também avaliou a escolaridade, a divisão populacional por faixa etária e a população ativa do município.