Título: DEPOIS DO CORTE, O GASTO
Autor: Henrique Gomes Batista e Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 05/10/2006, Economia, p. 37

Dez dias após cortar R$1,6 bi do Orçamento, Lula assina MP liberando R$1,5 bi

Ogoverno federal editou ontem uma medida provisória (MP) para liberar R$1,504 bilhão para obras e pagamentos de dívidas, dez dias após anunciar um corte de R$1,6 bilhão no Orçamento. O Ministério do Planejamento remanejou R$191 milhões de obras que não estão avançando para aquelas com maior potencial de deslanchar ainda este mês. Além disso, utilizou uma artimanha financeira para obter R$1,3 bilhão: vai gastar o superávit financeiro do balanço patrimonial de 2005 neste ano, como se fossem recursos extra-orçamentários. A despesa, entretanto, terá impacto no superávit primário, economia para pagar juros da dívida, e poderá prejudicar a saúde financeira do país.

Os recursos liberados pela MP serão usados em obras de transporte que constam do Projeto-Piloto de Investimentos (PPI) em todo o país, na criação de um centro integrado da Polícia Federal em São Paulo para o combate ao crime organizado, em programas de prevenção à gripe aviária e no pagamento de dívidas de cinco ministérios com a Caixa Econômica Federal e outros órgãos federais, como a Dataprev e o Serpro. A maior parte das obras está concentrada nos estados do Nordeste e em Minas Gerais.

Algumas obras já deverão começar na próxima semana, segundo o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio. Entre elas, a dos cinco trechos da BR-101 Nordeste ¿ que atravessa vários estados ¿ cuja licitação está pronta mas para a qual não havia recursos disponíveis.

¿ São duas coisas diferentes. No contingenciamento de dez dias atrás, fizemos uma análise de nossa previsão de receitas e despesas deste ano. Agora, estamos fazendo um remanejamento de R$191 milhões de recursos já previstos para obras que não avançaram e estamos liberando R$1,3 bilhão do balanço patrimonial de 2005, ou seja, é dinheiro velho, que não se mistura com o corte já anunciado ¿ informou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

Analista diz que medida é mau sinal

Em termos financeiros, entretanto, a MP praticamente anula o arrocho orçamentário anunciado no dia 23 de setembro. Isso porque o R$1,3 bilhão que estava disponível na conta do governo para pagamento de juros desde a virada do ano ¿ decorrente de reavaliações de ativos e de aplicações financeiras de recursos do governo ¿ será contabilizado agora como despesas e terá impacto no superávit primário, reduzindo-o. O próprio Planejamento admite isso, embora reafirme que a MP não coloca em risco o alcance da meta de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas produzidas no país) ) em 2006.

Porém, há dez dias, o governo já teve que anunciar um corte de despesas discricionárias, que envolve principalmente os investimentos públicos, de R$1,6 bilhão, e a redução de seu superávit em pouco mais de R$1,3 bilhão, devido à revisão da previsão de crescimento do PIB, de 4,5% para 4%, e à previsão de que estados e municípios farão um esforço fiscal superior ao inicialmente projetado. Mas àquela altura especialistas já apontavam que o quadro podia piorar, considerando que o mercado espera resultado bem menor para o PIB: 3,03%, o que reduziria a arrecadação.

O ministro argumentou que não poderia evitar o corte de dez dias atrás com o R$1,3 bilhão anunciado ontem, pois já sabia que outras demandas apareceriam:

¿ Esses dois atos não mostram confusão do governo, ao contrário: já sabíamos destas despesas que liberamos hoje, algumas existentes até mesmo por necessidade de cumprir um acórdão do Tribunal de Contas da União (que determinou, em maio, que os contratos de ministérios com órgãos públicos fossem quitados neste exercício fiscal).

O economista-chefe do Banco Pátria de Negócios, Luiz Fernando Lopes, acha que o uso do superávit financeiro do balanço patrimonial de 2005 é mais um sinal negativo para as contas públicas:

¿ É como se uma família utilizasse o rendimento da poupança para pagar a conta de luz do mês, ao invés de guardar esse dinheiro para quitar dívidas maiores e de longo prazo, como o financiamento de um carro ou o cartão de crédito, que possui juros altos ¿ disse.

Ele acredita que, apesar desse sinal, que terá impacto negativo no mercado financeiro, o governo deverá cumprir a meta de superávit deste ano. Isso porque ainda possui algumas saídas, como obter receitas extraordinárias, promover novos contingenciamentos, reduzir a pouca gordura que há no cumprimento do superávit ou maquiar os resultados deste ano, jogando uma série de despesas como restos a pagar para 2007.

O especialista Raul Velloso também acredita que este é um péssimo sinal para as contas públicas:

¿ O governo atropelou a revisão de suas contas, que aconteceria em novembro, e praticamente anulou os efeitos do contingenciamento anunciado há poucos dias. Acho que o governo terá que cortar ainda mais os gastos em novembro ou reduzir o superávit. Particularmente, sinto um cheiro de que o superávit será menor.

Além do impacto financeiro, a MP para realizar obras em diversos estados e instalar um centro de combate ao crime em São Paulo ¿ onde Lula perdeu no primeiro turno para Geraldo Alckmin (PSDB) ¿ pode gerar uma guerra política.

¿ Não temo que a oposição nos ataque pela liberação destes recursos ¿ disse Paulo Bernardo.